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Francisco I, o deus mercado e a economia da morte

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Andrés Mora Ramírez* 

“O dinheiro deve servir e não governar!”: Francisco
“O dinheiro deve servir e não governar!”: Francisco

Como influirá o ideário político-econômico exposto pelo papa Francisco I no imaginário de alguns povos, como os latino-americanos em que o binômio fé e cultura constitui um dos pilares da construção de nossas identidades, de nossa história, das insurgências e dominações, e até de nossas utopias?

Entre muitas outras coisas, a política é a arte do tempo e suas circunstâncias. No tabuleiro de xadrez dos momentos: da leitura crítica e o aproveitamento oportuno – que não é oportunista – do aqui e agora. “O real é o que não se vê”, dizia José Martí, ou, visto de outra maneira, o real é o propósito maior com que se agarra ainda que não seja tão evidente para a maioria. Algo como isso o papa Francisco esta fazendo – além das reservas que ainda rondam seu mandato – e sua exortação pastoral Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho), publicado no dia 4 de dezembro evidencia isso.

O documento, qualificado por alguns analistas como um programa de reforma da Igreja Católica, também confronta e denuncia como portadores da morte os dogmas ideológicos e econômicos do sistema global, que intelectuais e publicitários a soldo do capitalismo neoliberal oficiosamente difundem e legitimam.

Os argumentos que o papa Francisco expõe no capítulo segundo, com o título Na crise do compromisso comunitário, não ha desperdício: primeiro, proclama que “hoje temos que dizer “não a uma economia da exclusão e da iniquidade”.  Essa economia mata”; e logo alerta sobre a “confiança tosca e ingênua na bondade dos que detém o poder econômico e nos mecanismos sacralizados do sistema econômico imperante. Enquanto isso, os excluídos continuam esperando”. (Evangelii Gaudium, pp. 45-46)

Para o papa a atual crise financeira, entre suas muitas causas, tem uma profunda, de origem antropológica: “a negação da primazia do ser humano! Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma versão nova e impiedosa no fetichismo do dinheiro e na ditadura da economia sem face e sem um objetivo verdadeiramente humanos”.  (Evangelii Gaudium, p. 47).

capetalismoAs desigualdades sociais e a concentração da riqueza em uns poucos, marca distintiva do capitalismo neoliberal que impera em nosso tempo, também foram censuradas na mensagem de Francisco: “Este desequilíbrio proveem de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Dai que neguem aos estados o direito de controlar, encarregados de velar pelo bem comum. Instaurou-se uma nova tirania invisível, as vezes virtual, que impõem, de forma unilateral e implacável, suas leis e suas regras”. E numa sociedade de mercado como esta, sem controles políticos nem éticos, nenhuma lei mais que a da oferta e demanda, tudo é objeto de consumo e de cobiça. O papa assim se expressa: “O afã de poder e de ter não conhece limites. Neste sistema, que tende a fagocitar tudo com o fim de aumentar lucros, qualquer coisa que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefeso diante dos interesses do mercado divinizado, convertido em regra absoluta”. (Evangelii Gaudium, p. 47-48).

Aos líderes mundiais o papa pede uma mudança radical de rumo: “O dinheiro deve servir e não governar! (…) Exorto a todos à solidariedade  desinteressada e a um recolocar da economia e das finanças à uma ética em favor do ser humano”. (Evangelii Gaudium, p. 49). E lhes adverte: “Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia a uma parte de si mesma, não haverá programas políticos nem recursos policiais ou de inteligência que possam assegurar  indefinidamente a tranquilidade. Isto não sucede somente porque a iniquidade provoca a reação violenta dos excluídos do sistema, mas porque o sistema social e econômico é injusto em sua raiz”. (Evangelii Gaudium, p. 49-50).

Na perspectiva de nossa realidade latino-americana, cabe fazermos algumas perguntas a partir da insólita força das palavras da mensagem papal: quem tornou possível um mundo injusto e desalmado como o que o Francisco critica? Quem acionou as engrenagens da loucura de um sistema econômico e social que exclui indiscriminadamente, e que lança as pessoas, sem qualquer preocupação, à guerra de todos contra todos, do salve-se quem puder? Em nossos países foram essa legião de governantes e tecnocratas devotos da teoria do derrame; homens e mulheres de missa e comunhão obrigatória todos os domingos, e sem peso na consciência, os que dirigem os processos de reforma e modernização neoliberal das economias e os Estados, com resultados estatisticamente desastrosos e eticamente censuráveis.

Como paradoxo da condição humana, muitos entre eles e elas receberam sua formação acadêmica, filosófica e moral em escolas e universidades católicas. Em suas cruzadas eleitorais foram abençoados por diferentes grupos  religiosos e financeiros, mas na prática, suas decisões e condutas se distanciaram cosmicamente dos princípios elementares do evangelho de Jesus Cristo.

Como reagirá agora a direita latino-americana e os trânsfugas do centro e da esquerda diante destas palavras do papa argentino?  Esses personagens engomados que peregrinam ao Vaticano, buscando uma fotografia com o pontífice para exibi-la em seus escritórios e em suas campanhas. Poderão adotar políticas públicas inspiradas na crítica ao capitalismo enunciada – e denunciada – pela exortação apostólica?

Mais importante ainda, quanto ar as ideias de Evangelii Gaudium poderão dar ao projetos neoliberais de nossa região, não poucas vezes imobilizados na inércia e resistência às mudanças, nas contradições e no desgaste inevitável da confrontação  com o status quo? Como o ideário político-econômico exposto pelo papa Francisco influirá no imaginário de uns povos, como os latino-americanos, em que o binômio fe e cultura – não poucas vezes desprezado ou pouco compreendido pela intelectualidade e pelos movimentos políticos – constituí um dos pilares da construção de nossas identidades, de nossa história, das insurgências e dominações, e até de nossas utopias?

Por fim, são muitas as perguntas que só terão resposta com o tempo e a construção histórica. Porém a política, sem dúvida, também é a capacidade e colocar para andar as ideias, e o papa Francisco, driblando todas as tentativas de encastela-lo – de seus defensores e de seus detratores – está dando uma contribuição que poderia ser decisiva para o futuro dos condenados da terra, das lutas sociais e o futuro da humanidade.

*AUNA – Costa Rica – (em SurySur)


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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