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Fracassamos porque Trump exacerbou divergências internas do governo, diz Bolton

Em seu livro, o ex-assessor de Segurança Nacional da Casa Branca qualifica seu ex-chefe como “errático e desinformado” e revela bastidores da política exterior
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, continua furioso porque seu objetivo de ressuscitar a Doutrina Monroe, derrocar o governo da Venezuela e danificar Cuba fracassaram, e em seu livro que está para ser posto à venda nesta terça-feira culpam seu ex-chefe, Donald Trump, pelos fracassos.

Sobre a Venezuela, Bolton registra que “o regime ilegítimo ofereceu uma oportunidade para ser derrocado pelo governo de Trump. Porém, requeria uma determinação persistente de nossa parte e pressão consistente, total e implacável”.

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“Fracassamos em cumprir com essa norma. O presidente vacilou e cambaleou, exacerbando desacordos internos do governo… e repetidamente impedindo nossos esforços para levar a cabo uma política”, escreve Bolton no capítulo intitulado “Venezuela Libre”, o único dedicado a um país latino-americano no livro The Room Where it Happens. 

No livro Bolton, cuja publicação Trump fracassou em impedir, trata de seus 17 meses na Casa Branca e qualifica seu ex-chefe como “errático e desinformado” ao revelar a política exterior deste governo.

Recentemente publicamos parte do conteúdo do livro, mas o texto oferece mais detalhes sobre o manejo da política exterior para a América Latina. 

Em seu livro, o ex-assessor de Segurança Nacional da Casa Branca qualifica seu ex-chefe como “errático e desinformado” e revela bastidores da política exterior

Youtube / Reprodução
John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional da Casa Branca

Venezuela e uma nova “Doutrina Monroe”

Para Bolton, a Venezuela era chave para seu objetivo de ressuscitar a Doutrina Monroe, qualificando o regime de Maduro como “uma ameaça por seu vínculo com Cuba e as aberturas que ofereceu à Rússia, China e Irã”.

E explica, com nostalgia, que “a América Latina já havia se oposto a ameaças externas no hemisfério ocidental desde a Doutrina Monroe, e era hora de ressuscitá-la depois dos esforços de Obama-Kerry para enterrá-la”.

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Bolton revela como pouco depois do atentado contra Maduro com drone, Trump lhe disse “faça”, em referência a derrocar Maduro e que se queixou que “é a quinta vez que peço isso”. O mandatário estadunidense insistiu que desejava “opções militares” para a Venezuela e que esse país “na verdade é parte dos Estados Unidos”.

Bolton assinala que ele e outros explicaram porque a opção militar não era a melhor e que “podíamos conseguir o mesmo objetivo trabalhando com os opositores de Maduro”. Pouco depois, em novembro de 2018, Bolton batiza “a troika de tirania” de Venezuela, Cuba e Nicarágua, anunciando novas sanções contra os três países.

Petróleo

Bolton relata que Trump deixou claro “que o petróleo desse país tinha que estar sob controle estadunidense” e, enquanto o presidente insistia nas opções militares, de repente propunha reunir-se com Maduro para resolver “todos os problemas” – ao que se opunham Bolton e o secretário de Estado Mike Pompeo.

Ressaltando que em uma entrevista para Axios publicada neste domingo, Trump reafirma que talvez contemplaria uma reunião com Maduro e indicou que perdeu a confiança em Guaidó.

Guaidó

Quando Juan Guaidó se declarou presidente interino, Bolton diz que pensou que “esta é a revolução” e impulsionou a declaração de apoio de seu governo. 

Bolton conta como a delegação de legisladores da Flórida, sobretudo os cubano-estadunidenses, foram fundamentais em convencer Trump a apoiar Guaidó. Trump lhes exigiu que “quero que ele [Guaidó] diga que será extremadamente leal aos Estados Unidos e a ninguém mais”.

Bolton e seus aliados apostavam tudo na oposição encabeçada por Guaidó e uma sublevação militar para conseguir seu objetivo. Bolton diz que talvez um dos erros tenha sido tirar o pessoal estadunidense da embaixada em Caracas, já que “a ausência de assessores estadunidenses” no terreno poderia ter modificado o resultados das tentativas para derrocar o regime.

Cuba

Para Bolton, aparentemente Cuba é um super poder. Diz que o que manteve intacto a regime venezuelano é a presença e a inteligência de Cuba. Elogia o sucesso de reverter a política de abertura de Barack Obama e a aplicação de todas as medidas da Lei Helms-Burton como “um embargo pleno e completo” sobre Cuba.  

Revela que Trump solicitou opiniões de uso de força, incluindo a interdição, para interromper os carregamentos de petróleo entre Venezuela e Cuba. 

Condena a abertura a Cuba disposta por Obama, permitindo que esse país não fosse percebido como “adversário” e crítica que durante esse tempo “a crescente influência russa, chinesa, iraniana e cubana pelo hemisfério não havia sido uma prioridade”.

Conta os esforços para “apertar Havana incluindo reverter a decisão de outorgar uma licença permitindo às Grandes Ligas “contratar jogadores cubanos” – acusando alguns de seus donos de estar “dormindo com o inimigo”. 

Anticastristas de Miami

Bolton descreve as várias ocasiões em que os legisladores e organizações anticastristas da Flórida, sobretudo os de Miami, eram os que ao ajudavam a fixar a política para Cuba e Venezuela.

Se auto elogia contando como o senador Marco Rubio o apresentou diante de centenas de cubanos-estadunidenses e venezuelano-estadunidenses em Miami dizendo que sua nomeação “é um mau dia para Maduro e Cuba, e um grande dia para a causa da liberdade”. 

O autor conta que ele havia trabalhado durante muito tempo sobre esses temas, e que o público o sabia. E ainda mais, Bolton não oculta seu narcisismo em seu livro, sobre como é elogiado por forças conservadoras, sobretudo em Miami – por exemplo em sua apresentação diante da Associação de Veteranos da Baía de Cochinos  – como também quando seus inimigos o mencionavam: “Cuba agora também me estava atacando pelo nome, então eu estava de bom humor”, conta.

México, fronteiras, muros e migrantes

Sobre o México há apenas algumas referências no livro – não há menção das contrapartes de Trump no México, por exemplo – quase tudo girando em torno à obsessão de seu chefe com a migração e o muro fronteiriço. Bolton conta as explosivas disputas internas do gabinete sobre como cumprir a ordem de Trump de “brecar as caravanas”.  

Trump insiste em declarar que a fronteira com México está “fechada” e se irrita quando lhe explicam as complicações, em uma reunião gritando “digam a eles que o país está fechado… é como uma sala de cinema quando está cheia”. E recorda aos seus ministros e assessores: “me elegeram por este tema…” 

Em um episódio, o então chefe de gabinete John Kelly estava no Salão Oval com Trump quando chegou uma mensagem de que o genro do presidente Jared Kushner desejava reportar ao mandatário sua conversa com o chanceler mexicano Luis Videgaray.

Kelly, irritado, pergunta porque Kushner estava falando com o mexicano e Trump lhe respondeu: “porque eu pedi. De que outra maneira vamos parar as caravanas?” agregando que “nenhum de vocês gênios conseguiram brecar as caravanas”.  

Kelly, como outros o fizeram, contemplou renunciar por este tipo de intercâmbio com o chefe, comentando a Bolton: “Comandei homens em combate e nunca tive que aguentar merda como esta”.

David Brooks, Correspondente de La Jornada em Nova York.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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