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Foto: Nayib Bukele / Facebook

Projeto repressivo de Bukele ignora raízes da criminalidade e gera ilusão de segurança

Os resultados da "luta de Bukele" contra a delinquência esquecem o fato de que a pobreza, o desemprego, as carências em saúde e educação e a desigualdade permanecem intactos
Gerardo Villagrán del Corral
Estratégia.la
Cidade do México

Tradução:

Ana Corbisier

O governo de Nayib Bukele em El Salvador, amparado no estado de exceção imposto há mais de dois anos, utilizou dois mil soldados e mil policiais em cinco bairros de Apopa, localidade de 130 mil habitantes no norte do país, em resposta a denúncias sobre atividade de grupos delitivos, incluindo a instalação de pontos de inspeção policial nas entradas e saídas e em várias de suas ruas.

Em março de 2022, Bukele declarou guerra aos grupos delitivos – gangues de “maras” – que aterrorizavam a população, controlavam importantes porções do território e extorquiam uma grande porcentagem da cidadania, sendo que os homicídios tinham alcançado a cifra de mais de 100 por cada 100 mil habitantes. Nas primeiras horas do novo avanço repressivo, foram presos quatro supostos integrantes da gangue Barrio 18.

Há dois anos começou uma massiva onda de detenções sem ordem judicial que conseguiu diminuir radicalmente os assassinatos e outros delitos no país, deixando as prisões salvadorenhas lotadas, superando a marca mundial de 605 presos por cada 100 mil habitantes.

A chave do relativo êxito de Bukele em debilitar as estruturas das gangues descansa em três pilares fundamentais: o uso de medidas legais extremas; uma interpretação mais frouxa do que significa pertencer a uma gangue; e a concentração do poder político em torno de sua administração.

Leia também | Torturas, mortes e 36 mil prisões: Os danos do desastroso estado de exceção em El Salvador

Os muito propagandeados resultados da luta contra a delinquência esquecem o fato de que as causas sociais profundas da criminalidade – a pobreza, o desemprego, as carências em saúde e educação, a desigualdade, entre outras – permanecem intactas e não parece que ao governo de Bukele interesse combatê-las.

O que preocupa os analistas da situação salvadorenha é que a repressão, cedo ou tarde desembocará na formação de mais infratores e em uma nova crise para os que padeceram a mais extrema brutalidade policial, muitos sem haver cometido delito algum.

Ilusão ou segurança?

A ofensiva começou com a promulgação do regime de exceção, usada em terremotos e pandemias, mas nunca para enfrentar as gangues, que no final de 2022 perpetraram massacres que causaram 87 mortes. Foi quando os legisladores afins a Bukele aprovaram a petição de decretar o estado de exceção durante um mês, que foi renovado em novembro de 2023 por 20 meses consecutivos. Espera-se que seja renovado em dezembro.

repressão de Bukele golpeia as gangues às custas dos direitos humanos em El Salvador, na medida em que estão permitidas as detenções sem autorização de um juiz e unicamente com base na aparência dos indivíduos. Sem dúvida, nos abarrotados cárceres há um grande número de inocentes, como denunciaram organizações humanitárias nacionais e internacionais.

Leia também | El Salvador: Com estado de exceção, Bukele intensifica extermínio e prende 2,6 mil num dia

O regime de exceção priva os salvadorenhos de direitos constitucionais básicos, como o direito à defesa legal e à liberdade de movimentos, ao mesmo tempo que flexibilizam as normas sobre detenções e permitem ao Estado interceptar as comunicações dos civis.

Estes poderes de emergência permitiram às forças de segurança levar a cabo uma guerra relâmpago sem ordem de captura ou baseada em denúncias anônimas e, por extensão, a um ritmo muito mais rápido e com muito menos discrição do que em anteriores operações. As forças de segurança detiveram mais de 33.000 pessoas nos dois primeiros meses do regime de exceção, segundo dados de inteligência policial.

Cair nas mãos da polícia salvadorenha por suspeita de pertencer a uma gangue significa passar um período indefinido sem direito a processo, em situação de isolamento e sem que advogados ou familiares possam saber sequer em que cárcere se encontra a pessoa em questão.

Histórias de tortura, tratamentos inumanos e degradantes, privação de alimentos, surras e execuções extrajudiciais ultrapassaram os muros das prisões e motivaram múltiplas denúncias contra o regime. Em suma, a pacificação e a segurança pública obtidas por Bukele se baseiam em uma massiva violação dos direitos humanos, afirma um editorial do diário mexicano La Jornada.

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Diante da queda dos índices delituosos, a popularidade de Bukele se viu impulsionada e nas eleições gerais de fevereiro passado conseguiu reeleger-se com mais de 84% dos votos, e seu partido, Novas Ideias, garantiu o controle da Assembleia Legislativa com 54 dos 60 lugares. A sociedade, exasperada com a insegurança e a violência delituosa que imperavam até 2022, lançou-se nos braços do punitivismo e do populismo penal do governante salvadorenho.

Cabe perguntar se a reativação da atividade delituosa em Apopa não é já um sintoma precoce da superficialidade e da barbárie com que foi abordado o desmantelamento das gangues e se a segurança e a paz construídas pela barbárie do Estado que tem aplicado Bukele não vai revelar-se uma ilusão, pergunta o diário mexicano.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gerardo Villagrán del Corral

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