Pesquisar
Pesquisar

Protestos em Cuba: alvo de descontentamento, economia padece por bloqueio dos EUA e lentidão na implantação de reformas

O problema financeiro dos cubanos se agrava, dado que a pandemia impede o ingresso de turistas e as medidas tomadas por Trump proibiram o envio de remessas familiares à ilha
Fernando Ravsberg
La Jornada
Havana

Tradução:

A economia sofre pelo bloqueio dos Estados Unidos, reforçado pelas medidas de Donald Trump e de Joe Biden, e pela lentidão do governo cubano no impulso das reformas. A pandemia, controlada durante 2020, agravou-se no último mês, especialmente na província de Matanzas.

Os gastos sanitários estão depauperando as arcas estatais que já estavam mal antes da chegada do coronavírus. As enormes filas para comprar alimentos e os cortes de luz pelas avarias de várias centrais foram a gota que transbordou a taça para os chamados do anti-castrismo para sair a protestar nas ruas. 

A pressão que têm vivido os cubanos é verdadeiramente desgastante. Foi 15 meses encerrados em suas casas, sem escola para as crianças, com grandes dificuldades para comprar alimentos e a isso, recentemente se somaram longos apagões elétricos. Se isso fosse pouco, as autoridades decidiram eliminar uma das duas moedas, elevando ademais salários e preços.

A medida provocou uma inflação tremenda; a maior parte dos produtos são vendidos em moeda dura e o Banco Central se nega a receber dólares em efetivo pela dificuldade de usá-los depois, devido à perseguição de Washington às transações internacionais de Cuba. Assim que, além disso, o cidadão deve buscar dólares canadenses, libras esterlinas ou euros. A moeda europeia disparou e está três vezes seu valor oficial no marcado paralelo. 

O problema financeiro dos cubanos se agrava, dado que a pandemia impede o ingresso de turistas e as medidas tomadas por Trump proibiram o envio de remessas familiares à ilha. Para piorar as coisas, Biden mantém todas as políticas de seu predecessor e ademais põe Cuba na lista de países que promovem o terrorismo e na dos que participam no tráfico de pessoas.

Leia também

Dedicação “histérica” de Washington de esmagar Cuba é extraordinária, diz Chomsky ao analisar política externa dos EUA

A primeira lista situa sob lupa a qualquer banco que opere com Havana e a segunda vai dirigida a castigar os países que contratem brigadas médicas cubanas. A decisão busca fechar a única via importante de ingresso de divisas que resta ao país. 

Esta crise financeira é sofrida pela maioria dos cubanos, que passam seus dias fazendo enormes filas para comprar, porque as autoridades de comércio foram incapazes de criar lojas virtuais que poderiam facilitar a vida das pessoas e protegê-las dos contágios da Covid-19 ao que se enfrentam quando passam horas rodeados de desconhecidos amontoados à sombra de umas poucas árvores que rodeiam as lojas.

Os cidadãos têm que lutar, além disso, contra uma legião de “coleros”, pessoas que vivem de acaparar o que aparece nas lojas para revender depois a um preço muito mais alto. Paradoxalmente, os “coleros” organizaram um comércio virtual que funciona a mil maravilhas, usando Facebook ou WhatsApp.

É neste cenário que a partir dos Estados Unidos começa uma campanha para realizar uma “intervenção humanitária”, mecanismo já utilizado para entrar militarmente na Iugoslávia e na Líbia. No entanto, Havana ficou em silêncio enquanto nas redes sociais se desatava uma campanha assegurando que por soberba o governo se negava a abrir um “corredor humanitário” para receber ajuda desde o estrangeiro.

Sobre o tema

Parte dos manifestantes contra o governo é financiada pelos EUA, denuncia Díaz-Canel, presidente de Cuba

A proposta foi tão atrativamente apresentada que muitas pessoas dentro e fora de Cuba começaram a pedir ao governo que se deixasse ajudar. Quando finalmente Havana reagiu e tornou pública as vias para enviar a ajuda internacional, já era tarde para mudar sua imagem e no domingo (11), milhares de cidadãos foram às ruas para protestar. 

O problema financeiro dos cubanos se agrava, dado que a pandemia impede o ingresso de turistas e as medidas tomadas por Trump proibiram o envio de remessas familiares à ilha

Reprodução
Governo cubano reagiu democraticamente às manifestações

Manifestações e reação oficial

As manifestações convocadas em San Antonio de los Baños, no ocidente da ilha, e a de Palma Soriano, no outro extremo, foram replicadas massivamente nas redes sociais e o descontentamento fez gente em Havana, Cienfuegos, Camagüey e Santiago de Cuba irem às ruas, entre outros lugares. 

Junto aos opositores havia muitos cidadãos descontentes com a situação, reconheceu o próprio presidente Miguel Díaz Canel, que se apresentou em San Antonio e convocou a população adepta ao governo para “retomar às ruas”.

A consigna desfraldada pelo mandatário foi a de que “a rua é dos revolucionários”, convocando todos, com os comunistas na primeira fila, a defenderem a revolução. Umas horas depois, nos mesmos lugares onde se havia protestado contra o governo, se davam vivas a Fidel Castro. 

O grosso dos manifestantes e dos policiais manteve um nível de violência muito baixo, nada comparado com o que ocorre em outros países da região como Colômbia ou Chile. 

Não foram informados mortos em nenhum dos bandos, nem repressão massiva, só golpes e detenções seletivas. Os fatos mais violentos ocorreram em Havana, onde  três carros-patrulha foram tombados e assaltaram algumas lojas para roubar eletrodomésticos. 

No entanto, os violentos pareciam uma minoria nos grupos de manifestantes. Na beira-mar de Havana, por exemplo, quatro policiais entraram no protesto para desarmar um homem que portava um facão e efetuaram a detenção sem que a massa os atacasse. 

Leia também

Cuba responde editorial considerado calunioso da Folha de SP: “a verdade está nos fatos”

Na segunda-feira (12) pela manhã, o presidente, o primeiro-ministro e vários ministros compareceram em cadeia de TV e rádio para prestar contas aos cidadãos e pedir-lhes calma. 

Asseguraram que esta semana entram em funcionamento as centrais elétricas que terminarão com os apagões. Deram os dados de toda a ajuda humanitária que Cuba está recebendo de pessoas, empresas e governos do mundo.

Um dos ministros mais respeitados pela população, José Ángel Portal, titular da Saúde, explicou os erros cometidos no enfrentamento à pandemia e os esforços que estão sendo feitos. 

Pela primeira vez, deram as cifras que quanto custa ao país cada contagiado, cada doente e cada caso grave em uma unidade de cuidados intensivos.

A líder do grupo científico que elaborou a Abdala, a primeira vacina latino-americana contra a Covid-19, garantiu a efetividade do antígeno e informou que será acelerada a vacinação em todo o país. 

Não há dúvida que o bloqueio dos Estados Unidos é o primeiro problema econômico enfrentado por Cuba, mas há outros como a lentidão do governo para realizar as mudanças que ele mesmo propõe. Faz anos que decidiram aprovar a criação das pequenas e médias empresas (Pymes) e ainda não foram escritas as normas regulatórias para poder construí-las.

Os encarregados de organizar o comércio digital fracassam uma e outra vez, mas todos continuam em seus cargos. Na unificação monetária, planejada durante 10 anos, tiveram que fazer dezenas de retificações. 

É difícil vaticinar se estes protestos voltarão a se repetir ou não, mas o que está claro é que significaram uma sacudida para o governo, uma mensagem que dito em bom cubano seria: “espabila que el horno no está para galleticas”, em português algo como “avance que o forno não está para biscoitos”.

Fernando Ravsberg, Especial para La Jornada desde Havana

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na Tv Diálogos do Sul

 

   

Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Fernando Ravsberg

LEIA tAMBÉM

Destruição de direitos sob Milei entrega bairros argentinos às mãos do narcotráfico
Destruição de direitos sob Milei entrega bairros argentinos às mãos do narcotráfico
Abuso sexual e recrutamento forçado violência rouba infâncias no Haiti
Abuso sexual e recrutamento forçado: violência rouba infâncias no Haiti
Novo presidente temporário no Haiti entenda os desafios de Fritz Alphonse Jean
Novo presidente temporário no Haiti: entenda os desafios de Fritz Alphonse Jean
Para enfrentar crime organizado no Equador, Noboa contrata mercenário dos EUA ligado a massacres
Para enfrentar crime organizado no Equador, Noboa contrata mercenário dos EUA ligado a massacres