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Foto: Companha de Solidariedade à Palestina (PSC) / X

Protestos em defesa da Palestina e dos imigrantes marcam Convenção do Partido Democrata

Demanda para que Harris apoie políticas pró-imigrantes e um cessar-fogo na Palestina estiveram presentes tanto dentro, como fora do evento democrata
David Brooks, Jim Cason
La Jornada

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A Palestina está em Chicago tanto dentro quanto fora da Convenção Nacional do Partido Democrata.

Nesta segunda-feira (19), os gritos de manifestantes nas ruas de Chicago exigindo o fim do apoio do governo estadunidense à guerra genocida de Israel em Gaza foram ouvidos até o United Center, onde compareceram os integrantes da cúpula do Partido Democrata, incluindo sua candidata presidencial, Kamala Harris, e o chefe da Casa Branca, Joe Biden, para o primeiro dia da Convenção Nacional Democrata.

“Viva, viva, viva a luta palestina”, gritavam em espanhol latinos e imigrantes da cidade bilíngue durante o trecho de um quilômetro da marcha nas imediações da sede da convenção. Outros gritavam: “parem a maquinaria de guerra estadunidense” e “Palestina livre”, brandindo bandeiras palestinas e vestindo keffiyeh, expressando a ira de um amplo mosaico de setores, liderados por jovens, e destacando uma aliança entre muçulmanos e judeus progressistas.

Mais de 5 mil manifestantes se reuniram convocados por uma coalizão de mais de 250 organizações dedicadas às lutas pelos direitos civis das minorias, das mulheres e da comunidade gay, à defesa dos imigrantes, à justiça ambiental, à paz e à solidariedade internacional e decidiram colocar o tema da guerra israelense em Gaza e a cumplicidade estadunidense nesse genocídio no centro de suas demandas.

Ampla aliança em prol da Palestina

Asiáticos pela liberdade palestina, Vozes Judaicas pela Paz, Latinos pela Palestina e outros marcharam junto com o movimento Black Lives Matter, os imigrantes, que gritavam: “estamos na luta, regularizem todos”, entre muitos outros. Mas o que mais preocupa o Partido Democrata é que muitos dos manifestantes – não todos – são considerados bases do partido; de fato, os jovens que manifestaram sua ira ao apoio estadunidense à guerra em Gaza por todo o país podem ser cruciais para determinar o resultado da eleição.

Mas a demanda para que Harris apoie um cessar-fogo imediato e ponha fim à venda de armas a Israel não se expressa apenas fora. Dentro da convenção, líderes de um grupo de 30 delegados não comprometidos – aqueles que não deram seu voto para ratificar a candidatura de Harris – estão exigindo que a candidata apoie um cessar-fogo agora mesmo.

“O movimento dos ‘não comprometidos’ é um movimento antiguerra, pró-paz; por isso precisamos de um cessar-fogo imediato em Gaza e um embargo aos envios de armas estadunidenses a Israel”, declarou Rema Mohammed, que faz parte dos delegados não comprometidos eleitos por 110 mil eleitores em Michigan, como uma forma de demonstrar sua oposição às políticas da Casa Branca. Em uma coletiva de imprensa na convenção, destacou que dezenas de milhares de eleitores em Wisconsin, Minnesota e uma dúzia de estados votaram por delegados que insistem em um cessar-fogo.

“Kamala Harris está arriscando perder Michigan e outros estados porque eleitores lá não acreditam que podem apoiá-la diante da guerra em Gaza”, apontou Mohammed. Estava acompanhada pela deputada estadual de Illinois Lilian Jiménez, que se identificou como filha de mexicanos e porto-riquenhos e é delegada na convenção. “É sumamente importante que clamemos por um cessar-fogo e um embargo de armas, declarou. Os jovens da minha comunidade estão apelando por isso”. Advertiram que não será possível estimular o voto dos jovens sem que Harris se pronuncie a favor de uma mudança na política para Israel e os palestinos.

Mohammed apontou que pesquisas indicam que 83% dos democratas apoiam um cessar-fogo imediato e que até mesmo 53% dos republicanos também.

Os manifestantes contra o envio de armas estadunidenses a Israel, tanto dentro quanto fora da convenção, insistiram que continuarão expressando suas demandas aqui esta semana e durante toda a eleição.

“Líderes imigrantes: deixem de conversa e defendam nossa dignidade”

Líderes imigrantes locais de Chicago e outras cidades de Illinois deram as boas-vindas à Convenção Nacional Democrata com uma mensagem: parem de conversa e defendam os direitos básicos e a dignidade daqueles que nutrem este país com seu trabalho, sua cultura e seus sonhos.

Em uma reunião da Coalizão de Illinois pelos Direitos dos Imigrantes e Refugiados (ICIRR, na sigla em inglês), líderes jovens e veteranos de organizações comunitárias, trabalhistas e representantes eleitos locais, estaduais e federais expressaram seu compromisso de continuar defendendo os direitos e liberdades civis de todos os indocumentados, e enviar a mensagem tanto dentro da Convenção Democrata quanto nas ruas, de que os políticos serão obrigados a prestar contas sobre sua atuação em torno a essa luta.

Demonstram que, a nível local e estadual, se avançou muito mais que a nível nacional. Artemio Arreola, diretor de enlace comunitário do ICIRR, comenta em entrevista ao La Jornada, a respeito da convenção que será realizada em sua cidade: “creio que o fato de ser aqui em Chicago, que é uma das cidades que dá as boas-vindas aos imigrantes com ações concretas, como demonstrado em políticas públicas e orçamentos, e também no estado de Illinois, onde foram realizadas mudanças reais e fortes a favor dos imigrantes… é um dos melhores estados que dá as boas-vindas.”

Assinala como exemplo que no estado “é proibido construir um centro de detenção de imigrantes e os existentes foram completamente fechados”, resultado de uma campanha de 12 anos dos ativistas imigrantes e seus aliados. Também conseguiram carteiras de motorista, programas de saúde para menores e maiores de idade, apoio em despesas com moradia para todos, “e estamos falando de indocumentados.”

“É uma janela onde o estado e a cidade mostram como mudaram as políticas públicas que beneficiem a todos”, e na convenção “queremos mostrar um trabalho que temos feito nos últimos 22 anos”. Espera-se que representantes dessas lutas, incluindo políticos locais, estaduais e até federais, “levem uma mensagem clara e forte sobre uma legalização para todos. Isso é o que estamos buscando para contrabalançar de maneira mais agressiva a política, que já nos disseram que, por outro lado, consiste em deportações em massa”. Arreola destaca que é necessário “deixar claro como contrabalançar esses ataques muito fortes, não só à nossa comunidade, porque também são ataques diretos ao México… com a questão da fronteira ou com a questão das drogas ou dos cartéis. É um ataque ao México”.

Sublinha que esses esforços para promover o envolvimento dos imigrantes no âmbito político são liderados por jovens, que “aprendem a organização comunitária, a organização política… Já temos mais de duas décadas fazendo isso, onde muitos jovens já estão na legislatura, são senadores, representantes, ou no governo municipal na cidade”. Ou seja, são os líderes políticos do futuro.

Alguns já o são no presente. Na reunião para o Projeto Democracia do ICIRR realizado na Casa Guanajuato, líderes jovens falaram sobre a mobilização do voto imigrante em todos os níveis, mas destacando que não se trata apenas desta próxima eleição, mas que é parte de uma agenda constante.

Dulce González, do Centro de Trabalhadores Unidos, é uma das jovens líderes que expressou, com ira e convicção de sua experiência com um pai indocumentado que foi detido durante dois anos, que se dedica, diz, a fazer com que os políticos entendam que quando falam de imigrantes, estão falando de “seres humanos que vivem e respiram”, e que devem ter o direito à dignidade. Essa mensagem foi repetida por Yonggang Xiao, de uma coalizão da comunidade migrante chinesa de Chicago.

Celina Villanueva, que foi capacitada nesse tipo de trabalho e hoje é senadora estadual, declara que “a democracia não é só votar, não é um esporte de espectadores, é um esporte de ação”, e acrescenta que “as vozes imigrantes têm que ser expressas durante a convenção, mas também depois… isso não se trata apenas de uma convenção nesses dias, mas de como as comunidades migrantes estão mudando o país.”

Essa mensagem também é expressa nas ruas, já que alguns desses ativistas imigrantes participam das marchas que estão ocorrendo nas imediações da convenção nesta semana. Além disso, farão parte de um extraordinário mosaico de forças populares que se mobilizarão para exigir que os políticos do Partido Democrata parem de apoiar o genocídio perpetrado por Israel contra os palestinos em Gaza, que defendam com mais firmeza os direitos das mulheres e dos gays, deixem de criminalizar os imigrantes e respeitem plenamente seus direitos, incluindo o de asilo.

Oscar Chacón, diretor da rede de organizações de imigrantes Aliança Américas, indica que não espera que haja uma mudança real na política migratória nacional mesmo que os democratas ganhem, mas isso poderia ser visto a nível local. Em entrevista ao La Jornada, enfatiza que “o papel dos estados e das cidades precisa evoluir para um plano de ação diferente. Por quê? Porque mesmo se Kamala Harris ganhar a eleição, o Congresso não mudará radicalmente.

Então, por exemplo, a ideia de que vamos aprovar uma reforma migratória sensata com apoio bipartidário, quando você tem um bloco neofascista influenciando profundamente o Partido Republicano e, por adição, alguns democratas, não vai acontecer. Então, o que você vai fazer como partido já em uma lógica descentralizada, quando você tem milhões de pessoas na Califórnia, Nova York, Illinois, Novo México…, exigindo uma solução? O que você vai fazer? Eu acho que algo sensato que deveria acontecer é que os estados, de forma individual e conjunta, desafiem a premissa histórica de que o único que toma decisões sobre questões de política de imigração é o governo federal. E, por exemplo, criar programas de permissão de trabalho a nível estadual.

“Porque, no final das contas, se você perguntar a um indocumentado o que ele gostaria de mudar, ele responderá três coisas: trabalhar sem ser importunado, ou seja, trabalhar com autorização, poder visitar sua família em seu país de origem e dar aos seus filhos tudo o que os outros têm… Ninguém diz: eu quero ser cidadão… isso não é o que está na cabeça das pessoas. E essas coisas, com exceção da entrada e saída do país, podem ser resolvidas a nível de política estadual”.

Talvez a mensagem dos que promovem os direitos dos imigrantes em Chicago seja que a mudança está nas mãos da ação dos políticos do futuro fora de Washington.

Chuy Garcia: Convenção Democrata é chance de renovar agenda pró-migrante 

A Convenção Nacional Democrata poderia ser um primeiro passo para promover uma proposta renovada de política migratória que abranja a enorme contribuição dos imigrantes para a sociedade estadunidense e estabelecer um enfoque na urgência de uma via para a legalização de 12 milhões de imigrantes indocumentados, afirma o sempre otimista deputado federal Jesús “Chuy” Garcia em entrevista exclusiva ao La Jornada.

“Esta eleição é tão crítica, especialmente quando se leva em conta as mentiras e distorções de Donald Trump e do Partido Republicano”, comenta Garcia ao oferecer um panorama para a convenção. Garantir que seu partido vença a eleição em novembro é particularmente importante, dada “a postura anti-imigrante raivosa não só de Trump, mas de seu partido, que defende não só a intolerância, mas o ódio, e em muitas instâncias, a violência contra imigrantes”.

Ao mesmo tempo, para o deputado federal, a convenção não se trata apenas de derrotar Trump. Garcia, um dos líderes latinos progressistas mais importantes do país, acrescenta que a agenda que está promovendo com aliados deve incluir uma via para a legalização e cidadania dos 12 milhões sem documentos.

Há algumas indicações de que isso possa ser possível. Recentemente, a candidata presidencial democrata Kamala Harris disse que os Estados Unidos devem desenvolver um caminho para a “cidadania merecida” para os indocumentados. Para Garcia, um primeiro passo para cumprir esse compromisso seria finalmente oferecer uma via para a legalização permanente daqueles que chegaram como menores de idade no programa conhecido como DACA.

“Estadunidenses de ambos os partidos concordam que essas pessoas são tão estadunidenses quanto nós”, aponta. Além disso, espera que Harris “amplie mais sobre o que significa abordar as causas de fundo” da migração nos próximos quatro anos, caso vença a Casa Branca.

Na entrevista após um fórum na Casa Guanajuato dentro de seu distrito legislativo em Chicago, Garcia reconhece que mesmo esse enfoque limitado não será fácil. Ele observa que a chegada de números sem precedentes de migrantes na fronteira estadunidense com o México neste ano eleitoral provocou uma crise para a Casa Branca e os democratas, levando-os a acreditar que precisavam impor novas restrições sobre os solicitantes de asilo e buscar a ajuda do México e de outros países para reduzir o fluxo de imigrantes indocumentados que tentavam chegar aos Estados Unidos.

Para Garcia, essa decisão foi infeliz. “Viramos as costas para o que havia sido um pilar do nosso país e do nosso sistema de migração, que era ter um sistema de asilo que realmente oferecia aos solicitantes a oportunidade de apresentar seus casos”. Recuperar isso não será fácil, e levará tempo, mas Garcia é otimista sobre ser possível conseguir.

“Creio que a vice-presidenta tenha uma perspectiva sobre isso, e minha esperança é que ela reflita sobre o que foi feito, principalmente em relação à América Central, reconheça que não foi suficiente e que é necessário aplicar mais amplamente em todo o hemisfério”, afirma, lembrando que Harris estava encarregada de uma iniciativa que mobilizou bilhões de dólares para gerar oportunidades econômicas nos países centro-americanos com o objetivo de reduzir o fluxo para o norte.

Mas será necessário mais do que dinheiro. “A situação nos obriga a realmente pensar sobre o nosso uso de sanções e o que isso realmente faz e a quem realmente afeta”, explica Garcia. “[Os efeitos] de nossas sanções sobre Cuba, a situação na Venezuela, assim como no Haiti, e isso combinado com a mudança climática realmente coloca sobre a mesa: quais são as causas de fundo da migração?”.

Agrega que “se as pessoas não sentem que podem sobreviver em seus países, farão qualquer coisa necessária para sobreviver, e isso significa se mover, migrar, seja para a Colômbia, como tantos venezuelanos fizeram, ou a outros países”.

Mas primeiro é necessário ganhar a eleição de novembro. “Penso que uma derrota de Trump também será uma derrota do trumpismo e com isso podemos ter um novo começo. Minha esperança é que depois desta eleição, se os democratas ganharem a Casa Branca, o simples fato de termos conseguido pela segunda vez, propicie um reajuste nas opções, e que isso criará um novo espaço para termos conversas reais sobre os fatos”.

A economia estadunidense, sublinha Garcia, necessita migrantes para crescer, para ter trabalhadores que cuidem dos idosos, trabalhem na agricultura, nas plantas de processamento de carnes e realizem tantos outros trabalhos essenciais. A eleição de Harris também abrirá uma nova oportunidade para que os Estados Unidos trabalhem com os países latino-americanos como “sócios reais”.

Nesse contexto, ele opina que há uma oportunidade particular com a eleição de Claudia Sheinbaum, com quem se reuniu junto com outros colegas legislativos que visitaram o México pouco depois de sua eleição. “O México é particularmente importante para os Estados Unidos, e parece que eles nos superaram politicamente ao eleger uma mulher como presidenta”.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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