Não haverá paz na Ucrânia até que a Rússia alcance seus objetivos, os quais não mudaram desde que começou a chamada “operação militar especial” e que são “desnazificar” e “desmilitarizar” o vizinho país eslavo, assim como obter garantias de seu “status neutro”, afirmou na última quinta-feira (14) o presidente Vladimir Putin ao responder a perguntas de seus concidadãos e de jornalistas, a imensa maioria de meios públicos deste país, tanto federais como de província.
“A Ucrânia não produz quase nada hoje. Tentam salvar algo, mas não produzem quase nada. Recebem tudo grátis. Mas estes presentes podem terminar algum dia. E aparentemente isto já está acabando”, afirmou Putin, sentenciando: “A vitória será nossa”.
Para o titular do Kremlin, por agora não há nenhuma necessidade de fazer uma segunda onda de mobilização de reservistas, porquanto a primeira, que começou em setembro de 2022, incrementou as tropas russas que estão na Ucrânia em 300 mil efetivos, entre voluntários e soldados por contrato.
“A cada dia, 1.500 pessoas se alistam mediante contrato. Para que decretar outra mobilização? Não há necessidade. O exército espera fechar o presente ano com meio milhão de novos soldados por contrato, incorporados ao longo de 2023”, esclareceu Putin, uma das principais preocupações desta sociedade.
O líder russo revelou que as tropas russas na Ucrânia, neste momento, contam com 617 mil militares, que lograram melhorar suas posições “em quase toda a linha de frente”, que agora ultrapassa “mais de 2 mil quilômetros”.
Asseverou que “o que sucede (na Ucrânia) é uma enorme tragédia, similar a uma guerra civil”, a que se originou pelo “afã incontrolável de avançar sigilosamente para nossas fronteiras, arrastando a Ucrânia para a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)”.
Perguntado pelos bombardeios de Israel na Faixa de Gaza, Putin disse que não há comparação entre o que sucede aí, que qualificou de “autêntica catástrofe”, e a operação na Ucrânia. “Nada parecido ocorre na Ucrânia”. Ele citou a objetiva avaliação do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, o qual apontou que a Faixa de Gaza se converteu no maior cemitério de crianças do mundo.
O presidente russo responsabilizou os Estados Unidos e a União Europeia pelo deterioro das relações com a Rússia e assegurou: “Nós estamos preparados para restabelecer a normalidade, mas as condições não estão dadas”. Estarão, em sua opinião, “quando eles (EUA e a UE) começarem a respeitar outras pessoas, outros países, quando buscarem fórmulas de compromisso em vez de tentar resolver seus problemas mediante sanções ou ações bélicas”.
Putin não descartou a possibilidade de chegar a um acordo com Washington acerca do intercâmbio dos estadunidenses Evan Gershkovich, correspondente do Wall Street Journal, e Paul Whelan, ex-marine, acusados de “espionagem” e encarcerados na Rússia em 2023 e 2018, respectivamente.
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“Estamos prontos para devolver esses cidadãos estadunidenses detidos (na Rússia) a seu país. Mas as condições devem ser mutuamente aceitáveis. Mantemos contato a respeito, há diálogo. A parte estadunidense só tem que considerar nossa proposta e selaremos uma solução”.
O mandatário russo reconheceu como “direito soberano” da Argentina a decisão do presidente Javier Milei de “dolarizar a economia, quando a inflação chega a 143%, mas isso – advertiu – ameaça com sérias consequências socioeconômicas e, é claro, uma perda importante de soberania”.
Sublinhou que a Rússia, pelo contrário, beneficiou-se do aumento do volume de transações em rublos nos pagamentos internacionais. “Quando as potências ocidentais nos impuseram sanções, deram um tiro no pé”, resumiu.
Para Putin, a economia russa é sólida. “Este ano esperamos um crescimento do Produto Interno Bruto de 3,5%, um bom indicador, estamos nos recuperando do retrocesso de 2022”. Ao mesmo tempo, não comentou o fato de o Estado gastar um terço do seu orçamento na produção de armamento e nos soldos dos militares.
“Ao final, foi uma surpresa para nossos supostos sócios (Estados Unidos e seus aliados) e, sinceramente, para muitos de nós, que durante as décadas anteriores a Rússia tivesse acumulado esta margem de fortaleza e estabilidade”, destacou.
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Foto: Sergey Bobylev/TASS
Putin, durante coletiva de imprensa na última quinta-feira (14)
Em relação às sanções contra esportistas russos frente aos Jogos Olímpicos de Paris em 2024, Putin expressou: “O movimento olímpico foi criado para unir as pessoas e não para separá-las. Tudo o que os funcionários internacionais aplicam contra o esporte russo contradiz e subverte a ideia de (o fundador dos Jogos Olímpicos modernos) Pierre de Coubertin”, que considerava o esporte uma via para conquistar a paz.
Durante mais de quatro horas – em um formato que misturou perguntas de diferentes pontos da vasta geografia russa ou lidas pelos moderadores do programa de televisão transmitido em cadeia nacional, junto com petições pessoais (por exemplo, abaixar o preço dos ovos; levar o gás a uma aldeia ou reparar um ginásio em uma escola) e questões não transcendentes (quando jogou xadrez pela última vez ou o que recomenda fazer no período de férias de fim de ano) – Putin não teve que responder a nenhum interrogante incômodo.
Prisão por “justificar o terrorismo”
Depois de considerá-lo culpado de “justificar o terrorismo”, um tribunal da cidade de Syktyvkar, capital da República de Cómi, condenou na terça-feira anterior o pensador marxista Boris Kagarlitsky a pagar uma multa de 600 mil rublos e proibiu-o de administrar páginas da web pelos seguintes dois anos.
A promotoria havia solicitado 5 anos e meio de prisão, e Kagarlitsky – depois de passar quase cinco meses em prisão preventiva por um comentário no YouTube – ficou em liberdade na mesma sala onde era julgado, enquanto em ocasiões anteriores e por “delitos” semelhantes, opositores conotados recebiam condenações de mais de oito anos de prisão, como aconteceu, para citar apenas um exemplo, com Ilya Yashin.
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O próprio Kagarlitsky, ao conhecer a sentença, a explicou assim: “Lamentavelmente, quem fica sob este rolo (da repressão) numa cidade pequena, numa corte local, com polícias locais, têm um destino mais dramático simplesmente porque seu caso é desconhecido e os altos funcionários federais não têm conhecimento deles”.
Em relação a ele, duas vezes expuseram publicamente seu caso ao presidente Vladimir Putin, e, em ambas, ele disse não ter ideia de quem era Kagarlitsky, mas se comprometeu a perguntar à promotoria geral do que o acusavam.
Em fins de julho, a polícia deteve em Moscou a Kagarlitsky – um dos cientistas políticos e sociólogos mais reconhecidos da esquerda local – e o transferiu ao lugar onde se apresentou a denúncia contra ele, perto do Círculo Polar Ártico, a 1.300 quilômetros da capital russa, por afirmar:
“Desde o ponto de vista militar, é compreensível o atentado com bomba na ponte de Kerch (que une a Crimeia com a região de Krasnodar): vai criar problemas com os fornecimentos. E não só na Crimeia“. Também foi acusado de analisar em detalhe as consequências políticas e econômicas daquele atentado.
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Em outubro de 2022, a principal testemunha da acusação, Leonid Krasnoperov, militante do partido oficialista Rússia Unida e deputado municipal de Ust-Kulon, cidade de Komi, delatou Kagarlitsky por uma reportagem que, em sua opinião, “elogiava os terroristas que cometeram um atentado com explosivos na ponte da Crimeia”.
A politóloga Yekaterina Shulman opinou no Telegram: “A Grigori Melkonian (copresidente de Golos, que se dedicava a monitorar as eleições) lhe estenderam três meses de prisão preventiva para que não saia antes das eleições (presidenciais), quem sabe onde levaram a Aleksei Navalny (que seus advogados e colaboradores nada sabem dele durante mais de uma semana). O período pré-eleitoral, por um lado, é tempo de sentenças benevolentes e, por outro, ninguém deve se intrometer para acabar com a festa”.
A última notícia que se tem de Navalny é sua mensagem em redes sociais, difundida através de seus advogados, em 7 de dezembro, quando exortou a acudir às urnas (de 15 a 17 de maio, quando se levarão a cabo as eleições presidenciais) e votar a favor de qualquer candidato menos o chefe do Kremlin.
As autoridades penitenciárias guardam silêncio sobre Navalny, que incomunicável por completo, pode ser transferido durante semanas, quando não meses, a uma prisão de alta segurança, onde deverá passar os 19 anos de sua atual condenação (sem relógio, sem telefone, sem televisão, sem internet, sem contato com outros reclusos, com luz acesa 24 horas na pequena cela, com apenas duas visitas por ano para advogados e familiares, entre um extenso catálogo de restrições).
Juan Pablo Duch | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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