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Foto: Reprodução

Quem são e o queriam golpistas dos EUA mortos em ataque ao Congo em 19/5

Principal vítima da sanha imperialista é a população, e as principais beneficiárias, as grandes multinacionais que fabricam componentes eletrônicos e suas sócias mineradoras
Gustavo Veiga
Página 12
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

A República Democrática do Congo (RDC) é uma ferida aberta. A chaga supura desde a época do comércio de escravos. Calcula-se que habitavam este país até um milhão dos que foram levados encadeados à América. Depois seguiu-se a sangrenta colonização belga, o assassinato do herói nacional Patrice Lumumba, a extensa ditadura de Mobutu, as guerras internas permanentes na fronteira com Ruanda, a intervenção dos estados vizinhos em seu território, quase sete milhões de deslocados atualmente e uma recente e frustrada tentativa de golpe de Estado. Parecem demasiadas tragédias juntas para uma única nação independente. E em boa parte devem-se a suas riquezas incalculáveis e a sua posição estratégica no centro da África. Sua crise humanitária não figura no radar da imprensa ocidental. É apenas uma nota quando há um massacre cometido por qualquer das 120 facções que lutam em sua ampla geografia.

A intentona para derrubar o presidente Félix Tshisekedi em 19 de maio passado parece um remake do filme Walker. Uma sátira de 1987 sobre o flibusteiro com este mesmo sobrenome de origem estadunidense. William Walker se autoproclamou presidente da Nicarágua depois de invadi-la em 1855.

No Congo de hoje, alguns dos golpistas também provinham dos EUA como aquele aventureiro do século 19. Seu líder Christian Malanga era um refugiado congolês radicado no estado de Utah desde os anos 1990. Morreu no putsch fracassado depois de fazer-se filmar com seu grupo em uniforme de campanha e com armas longas enquanto pretendia tomar o poder em Kinshasa.

Não foi o único estadunidense surpreendido na aventura improvisada. Estava acompanhado por seu filho Marcel, um jovem jogador de futebol americano e de um par de homens brancos: Benjamín Reuben Zalman-Polun e Tyler Thompson. Tudo terminou muito mal para o comando integrado por umas poucas dezenas de homens. Apenas conseguiram tomar por algumas horas o Palácio da Nação, onde o presidente tem seu escritório, e cercar a residência de outro político oficialista. Christian Malanga transmitiu ao vivo momentos do golpe desarticulado (vídeo a seguir). Foi a última coisa que fez. Resistiu à detenção e terminou morto.

Seu filho Marcel e Thompson são dois jovens amigos na faixa dos vinte anos que terminaram detidos entre soluços. Suas famílias dizem que foram levados ao Congo enganados. A do segundo, também residente em Utah, pensava que tinha viajado de férias. O caso de Zalman-Polun é diferente. Graduado na Universidade do Colorado, foi sócio de Malanga em uma empresa que extraía ouro em Moçambique em 2022. Figura no boletim oficial do Estado deste país e em um informe do site Africa Intelligence. Os dois também tinham antecedentes penais nos Estados Unidos.

Ambições de Malanga

A diferença de Malanga com a tropa que reunira para tomar o poder no Congo é que sempre teve ambições políticas. Nunca abandonou a ideia de governar seu país de nascimento, o segundo em tamanho do continente, depois da Argélia. Fez o serviço militar na África, alcançou a patente de capitão; uma e outra vez tentou posicionar-se como opositor lá em seu declamado autoexílio. Fracassava sempre.

Tampouco era um outsider da política nos EUA. Costumava mostrar-se no Facebook com membros da Câmara de Representantes: os republicanos Rob Bishop, por Utah e Peter King, por Nova York, já agora ex-congressistas.

Malanga se apresentava como presidente do Partido Congolês Unido. Talvez premonição, em sua rede social onde ainda está sua fotografia junto à bandeira da RDC, dizia: “Um solucionador de problemas que está pronto para pôr fim à corrupção e ao estancamento político em Kinshasa”. A descrição de seus últimos momentos e de seus atribulados seguidores é contada em detalhes no diário em francês congovirtuel.com.

“Meu filho é inocente”, escreveu a mãe de Marcel, Brittney Sawyer, em um e-mail enviado à AP, “em que não quis dar mais detalhes”, informou a agência. Na família de Thompson disseram outro tanto: que Tyler não tinha conhecimento das intenções de Malanga, “já que se supunha que viajariam só para a África do Sul e Eswatini, antes conhecida como Suazilândia”, declarou sua madrasta, Miranda Thompson.

Agora os dois estão detidos entre dezenas dos que tentaram tomar o poder em Kinshasa. O sonho de um “Novo Zaire”, fantasiado em seus sonhos pelo bom do Malanga ficou truncado.

Hipóteses sobre o golpe falido

Para Cole Patrick Ducey, um engenheiro e empresário que se viu envolvido por equívoco no golpe falido, os estadunidenses que encabeçaram a tentativa de derrubar o presidente Tshisekedi “são ególatras levados pela cobiça”. Ducey foi relacionado à aventura porque Malanga e Zalman-Polum apareciam com ele em um documento da empresa que extraía ouro em Moçambique. Contou que o tinham convidado para ver concessões mineiras na ex-colônia portuguesa “mas nada funcionou, não fiz negócio com eles. Não falo (com eles) há vários anos”, declarou.

A hipótese de que o grupo invasor caiu em uma armadilha ou foi traído por conspiradores do próprio governo congolês, ainda não está descartada. Ainda que pareçam quase bizarras as condições em que se deu a intentona filmada por Malanga e os seus, e na que também aparece Zalman-Polum, a RDC é um país que suporta há décadas a violência para fragmentar seu território, sobretudo nas províncias do leste, Kivu do Norte e Kivu do Sul.

Quase 7 milhões de deslocados pelos combates entre milícias rivais – sendo a mais poderosa, o MP 23 (Movimento 23 de março), comandada por tutsis e aliada da Ruanda –, o exército, as incursões a partir dos países vizinhos e das zonas em disputa pela extração de recursos minerais entre China, EUA e os países europeus, não deixam de estimular a tensão em uma zona de guerra contínua.

Dois terços do coltan – chamado o novo ouro negro – e cerca de 50% do cobalto de todo o mundo são chave para fabricar baterias de celulares. Só na região de Kivu Norte há ouro, urânio, cobre, diamantes e minerais raros como a turmalina e o volfrâmio. Washington acelera a busca de uma cadeia de abastecimento de metais. Deseja-os para a Reserva Nacional de Defesa (NDS) que alimenta sua indústria militar. Teme ficar sem eles e seu olhar voltou-se uma vez mais para a sofrida República Democrática do Congo, onde a China predomina há anos.

A principal vítima desta geopolítica de extração indiscriminada é a população. As principais beneficiárias são as grandes multinacionais que fabricam componentes eletrônicos e suas sócias mineradoras.

Página/12, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Veiga

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