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ToggleAtualizado em 7 de junho de 2024 às 12h15.
O líder mapuche Héctor Llaitul, condenado a 23 anos de prisão no Chile, iniciou uma greve de fome na última segunda-feira (3). Llaitul é mantido em uma penitenciária na cidade de Concepción e exige a anulação da sentença – apontada por juristas como prisão política – e que seu recurso seja revisado pela Suprema Corte chilena.
Saiba mais sobre o caso a seguir:
Héctor Llaitul Carrillanca, principal líder da organização mapuche Coordinadora Arauco Malleco (CAM), no Chile, foi condenado a 23 anos de prisão pela justiça do Chile sem provas.
Como assim, sem provas? Pois é isso mesmo. A maioria das provas provém do próprio telefone celular de Llaitul; primeiro intervieram nele, depois simplesmente o confiscaram e o destriparam todo.
Isto é válido? Claro que não, porque caso o façam, tem que ser com autorização do juiz de garantias. Por aí dizem os policiais que a autorização foi pedida, mas na sentença tal autorização não aparece. Estará em outro lugar, em outro expediente talvez? Talvez, mas a coisa é mencionada muito de passagem.
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Não obstante, em sua clássica tese denominada “A prova ilícita nas diligências limitativas de direitos fundamentais no processo penal chileno. Alguns problemas”, Raúl Núñez Ojeda afirma que os requisitos de procedência da medida, sendo o mais importante a ordem judicial que o autorize, estabelece, por mandato legal, a forma de praticar a diligência, sua oportunidade, a pessoa afetada, e sua duração; constituindo isto um limite de ação. Caso seja excedido, a medida tornar-se-á ilegítima (art. 222 do CPP)
O certo é que os telefones celulares apreendidos não provam nada porque podem ser alterados, seu conteúdo apagado ou falsificado pelos especialistas. E neste caso temos o especialista: o perito em eletro-engenharia Daniel Cuevas Rojas. Os funcionários policiais asseguram que a informação foi extraída com rigor científico sem nenhum tipo de manipulação ou adulteração. Rigor científico? E daí tiram a seguinte conclusão:
“Esta informação permite concluir inequivocamente que o acusado não só faz um chamado ou apologia à luta frontal contra as empresas florestais, como estimula, organiza, planeja, dirige muitos dos atentados perpetrados pela CAM ou com apoio da CAM.”
Qual a base?
E estas conclusões tão ousadas, em que se baseiam?
Como sou advogada velha, pareceu-me que se poderia ter questionado muito mais a validade destas provas e suas absurdas conclusões. Então ocorreu-me a ideia de chamar um bom advogado no Chile para que colaborasse, ajudasse, tratasse de meter a mão nisso.
Comuniquei-me telefonicamente do México com o escritório de Nelson Caucoto, e uma secretária me disse que ele não estava. Mais ou menos expliquei à senhorita de que se tratava e depois enviei uma mensagem bastante detalhada para o endereço do grupo Caucoto, incluindo uma análise sumária da sentença que tem mais de 400 páginas.
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Depois de vários dias não acusaram recebimento nem deram ao menos uma resposta. Infelizmente o homem não se interessou, apesar de que em seu escritório conta com 6 ou 7 advogados de primeira categoria. Dizem os vários processantes que a busca de mudanças ou reformas a que aspira o imputado, que poderiam parecer louváveis, excedem o permitido por nosso Ordenamento Jurídico, composto pela Constituição e a Lei de Segurança do Estado de Pinochet.
Em suma, todas as provas são tiradas de declarações que Llaitul teria dado a um jornalista na rua; para mais detalhes informa-se que foi “à sombra da colina Ñielol”. Tiradas também de declarações em redes sociais, em programas de televisão, em uma bizarra rádio Kveruff, etc., provas que carecem de qualquer valor porque não foram obtidas nem ratificadas perante o Tribunal. As excelentes advogadas que o defenderam são duas jovens de Concepción, que fizeram todo o possível, mas o possível verificou-se impossível e perderam esta parte do processo.
O que diz Llaitul
E o que diz o próprio Héctor Llaitul a esse respeito? Isto:
“Há aspectos que têm relação com este processo contra mim e que podem ser questionados quanto à forma e o fundo, porque há algumas provas apresentadas pela Procuradoria que vulneram o devido processo, como, por exemplo, o uso das testemunhas sem rosto e hackear com o mesmo programa software israelense para infiltração de inteligência para obter os dados de um aparelho celular”.
Em entrevista à newsletter Diagonal Biobío, o trabalhador assegurou:
“quanto ao fundo, não é menos importante indicar que esta querela iniciada em 2020 surge quando Luis Hermosilla era assessor jurídico do Ministério do Interior e tinha contato com o ex-diretor da PDI, Héctor Espinosa, ambos hoje levados a tribunais por causas de corrupção e outros ilícitos a determinar. Pode-se concluir que Hermosilla foi um dos que participou da redação da sentença ou de seus alcances”.
Duas famílias controlam a indústria florestal
Atualmente, são duas as famílias donas de praticamente toda a indústria florestal do país. Por um lado, o grupo Matte que controla a “Companhia Manufatureira de Papéis e Cartões” (CMPC), e o grupo Angelini, dono da “Celulosa Arauco”. Ambas as empresas controlam 70% do negócio florestal, que produz mais de 4 milhões de toneladas de celulose anualmente.
A riqueza acumulada por estas famílias graças à exploração florestal aumentou durante a ditadura. O decreto Lei 701 de 1974, vigente até hoje com mínimas modificações, conhecido como lei do “fomento florestal”, subsidia com 75% dos recursos as plantações de monocultivos de pinos e eucaliptos. O Estado, com este “subsídio” para as empresas, promoveu a destruição paulatina da mata nativa, que foi substituída por plantações de pinos e eucaliptos rentáveis para o negócio florestal e que se incendeiam com um sopro quente porque contêm resinas inflamáveis.
Também existe a empresa Bosques Cautín S.A. que é uma das que estão processando, e conta com cerca de 25 mil hectares de plantações de eucaliptos para a produção de celulose, além de uma fábrica de lascas de grande capacidade. Por outro lado, o mais chocante nisso é que um governo que se diz de esquerda continue promovendo o processo iniciado por Sebastián Piñera e não só aceite como festeje a condenação.
Conquista importante
A ministra do Interior, dona Carolina Tohá, disse que o Governo considera esta condenação “uma conquista importante” e que “hoje é um marco”. Muito certo, senhora, é um marco na infâmia porque estão sendo defendidas as empresas madeireiras que nasceram com o decreto 701 da ditadura, e cujo iniciante e campeão foi Júlio Ponce Lerou, genro de Pinochet que continua sendo um dos homens mais ricos e poderosos do Chile.
Ao defender grande parte da obra da ditadura, ao apoiar-se em suas leis, este governo está ajudando os que assassinaram nossas vítimas, entre as quais está esse grande homem que foi José Tohá, estrangulado há exatamente 50 anos por esbirros de Pinochet. Porque o ditador mandou assassinar todos os que tinham sido testemunhas de suas atitudes servis e rasteiras diante do presidente Allende.
Não vou agora defender os indígenas mapuche nem seus dirigentes para não me alongar mais. Todas as pessoas decentes no Chile e também no exterior conhecem o problema porque afeta a maioria dos que foram, há milhares de anos, os habitantes originários deste Continente e que foram despojados, assassinados e desprezados pelo colonizador.
Todos sabemos que a parte da Araucânia ocupada pelos mapuche é uma das regiões mais pobres do país. E todos, ou quase todos, vimos as fotos de mulheres mapuche caminhando pela neve com pés descalços… Portanto, repito: o que procede, se é que esta infame sentença vai ser ratificada depois dos recursos que venham a ser interpostos, é exigir o indulto para Héctor Llaitul Catrillanca.
Quem sabe a memória de seu pai – assassinado há 50 anos – de repente inspire nossa Ministra do interior…