Esse é o segundo artigo da série “A direita conquista a Suprema”, de Jim Cason e David Brooks para o La Jornada. Confira o primeiro texto: Bastião ultraconservador: como milionários aparelham Suprema Corte dos EUA há 40 anos
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O momento culminante para o agrupamento semi-secreto de empresários e ativistas ultraconservadores que encabeça a estratégia de conquistas na Suprema Corte foi em 2016, quando o então candidato presidencial Donald Trump lhes pediu uma lista de possíveis candidatos ao máximo tribunal que fosse aceitável para a ala conservadora, e se comprometeu publicamente a nomear só juízes que estavam nessa lista.
Durante os seguintes quatro anos, Trump nomeou Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett, todos respaldados pela rede conservadora encabeçada pela Federalist Society.
Hoje em dia, esses três, junto com os juízes Clarence Thomas e Samuel Alito, lograram a maioria de 5 contra 4 que anulou a decisão do caso Roe v. Wade – a qual garantiu durante meio século o direito ao aborto, e que havia sido considerada uma das grandes conquistas do movimento dos direitos das mulheres.
Em muitas ocasiões, a maioria conservadora se amplia a 6 contra 3, com o apoio do juiz chefe da Suprema Corte que vota na maioria das vezes com seus colegas instalados por republicanos, mas que chegou a máximo tribunal mais como um conservador tradicional que se alinha completamente com a agenda ultradireitista.
Com essa maioria, a Corte promoveu a agenda direitista em outros rubros também, incluindo limitar a capacidade de agências de proteção ambiental de regular contaminação e apoiando o direito de discriminar pessoas por supostas razões religiosas. Mas o giro à direita que incluiu a decisão de impulsionar uma agenda política conservadora da Suprema Corte tem acontecido por mais de uma década, emitindo diferentes decisões: em 2010, que permite às empresas contribuírem a candidatos políticos (determinando que é um exercício de “liberdade de expressão”); em 2013, que essencialmente deixa oca uma seção da histórica Lei de Direito ao Voto impulsada nos anos 1960; e em 2018, que mina explicitamente sindicatos do setor público, entre outras.
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“Depois de um esforço por múltiplas décadas financiado por interesses especiais para refazer a rama judiciária federal, a direito fanática capturou a Suprema Corte e tem logrado políticas perigosas e regressivas que jamais poderiam ser obtidas nas urnas”, declarou o senador Chuck Schumer, líder da maioria democrata na Câmara Alta.
Conservadores como o senador McConnell disputam que há um complô direitista e apontam que a corte emitiu algumas decisões que mantêm proteção ao direito ao voto e que, em outros casos que foram criticados por liberais, o voto foi às vezes de 8 a 1 (ou seja, quase unânime). Mas nos casos mais decisivos e chaves para a direita, a maioria conservadora da Suprema Corte tem cumprido sua missão.
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Foto: Ted Eytan/Flickr
Sem a ação do Senado para impor normas e processos para seu cumprimento, não se esperam grandes reformas dentro da Suprema Corte
Por sua vez, Leonard Leo, que encabeçou os esforços da Federalist Society para cambiar o poder judicial, ampliou as suas ambições, e agora dirige uma rede de grupos conservadores que buscam uma mudança ainda mais ampla: “A ideia por trás da rede e da iniciativa que construímos é reverter o domínio liberal em muitos setores importantes da vida estadunidense”, comentou Leo ao New York Times. “Tive uma par de décadas ou mais para tomar as lições aprendidas disso e ver se havia uma maneira de reverter esse domínio liberal em outras partes da vida cultural, de políticas, e na política estadunidense”. O Times reportou que a rede encabeçada por Leo conta com cerca de dois bilhões de dólares para gastar para influir na Suprema Corte como também em tribunais inferiores.
Os liberais não ficaram quietos e em maio três senadores e quatro deputados federais democratas impulsaram um projeto de lei que busca ampliar a Suprema Corte em quatro postos mais. Ao mesmo tempo, uma coalizão de sindicatos, organizações ambientalistas, grupos contra a violência de armas de fogo, de defesa dos direitos imigrantes e várias igrejas que se nomearam “Unidos pela Democracia”, estão pressionando o Congresso para tomar ações para “frear esta Suprema Corte extremista”.
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Por ora, a maior ameaça da ala direitista da corte são revelações sobre possível corrupção, incluindo contribuições financeiras secretas e favores oferecidos aos juízes conservadores por multimilionários e outros que têm casos ante a Corte. Uma investigação da ProPublica descobriu que o juiz supremo ultraconservador Clarence Thomas aceitou o equivalente a centenas de milhares de dólares em viagens de um empresário texano que tem interesses diretos em casos sob a Suprema Corte. Thomas nunca divulgou estas contribuições ao público como é devido.
Além disso, a esposa do juiz Thomas, ativista direitista que abertamente apoiou a tentativa de Golpe do Estado em 6 de janeiro de 2021, também recebeu centenas de milhares de dólares em contribuições. “Leonard Leo orquestrou pagamentos secretos à esposa de um juiz ativo da Suprema Corte, Ginny Thomas, enquanto esse agrupamento começou a submeter declarações de ‘amigos da Corte’ em alguns dos temas legais chaves de nossos tempos”, explicou Lisa Graves, ex-subprocuradora geral da nação durante o governo de Bill Clinton, em um podcast chamado Making the Case.
A ProPublica informa que outro juiz conservador, Samuel Alito, aceitou uma viagem ao Alaska em um jato privado avaliado em mais de 100 mil dólares em 2008, pago por um especulador financeiro multimilionário que repetidamente tem solicitado à Suprema Corte uma decisão favorável em um caso. Ao mesmo tempo, os juízes liberais também aceitaram algumas viagens pagas, mas quase todas para acudir a universidades e outro foros de serviço público.
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No sistema estadunidense, os juízes em tribunais federais inferiores são requeridos a divulgar contribuições financeiras e há uma série de penas se estas normas são violadas, mas isso não se aplica à Suprema Corte, onde os nove integrantes fazem suas próprias regras. O juiz chefe Roberts prometeu recentemente que sua instituição melhorará os requisitos de transparência depois da série de reportagens da ProPublica e outros meios. Mas especialistas apontam que sem a ação do Senado para impor normas e processos para seu cumprimento, não se esperam grandes reformas dentro da Suprema Corte.
Embora haja um processo para remover um juiz da Suprema Corte – isso implica em um impeachment da Câmara Baixa (hoje controlada pelos republicanos) e um julgamento no Senado – por ora não se esperam grandes mudanças em torno da opaca transparência e cada vez menos imparcialidade dentro do suposto guardião da ordem constitucional dos Estados Unidos.
David Brooks e Jim Cason | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
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