Ao analisar o tema da guerra psicológica na mídia, o general cubano Fabián Escalante Font admite que “dia após dia, vão se acumulando informações em nossas psiques, muitas delas tendenciosas e destinadas a conformar opiniões que mais tarde derivam em juízos, estados de ânimos, contradições e têm a finalidade de atuar sobre um cenário determinado, mudar de rumo ou inclusive mudá-lo. É precisamente isso o que os especialistas denominaram ‘guerra psicológica’, cujos fins políticos e ideológicos, resultam evidentes.”
Em outras palavras, a “guerra psicológica” é a arte da manipulação da consciência através dos meios de informação de massa. “Este conceito começou a se formar nos Estados Unidos em fins da década de 1940, no século passado, no início do que se denominou ‘guerra fria’ e como tal aparece pela primeira vez em 1951, no Dicionário do Exército estadunidense, com a seguinte definição: ‘guerra psicológica – são as ações empreendidas por parte de uma ou várias nações na propaganda e outros meios de informação contra grupos inimigos, neutros ou amigos da população, para influir na política e nos objetivos da nação ou grupo de nações a qual serve esta guerra psicológica”.
Em outras palavras, o fim “é socavar e desestabilizar o país, organização ou pessoa alvo do projeto”. Nesse aspecto, Escalante recorda que um dos artífices da guerra fria, John Foster Dulles, secretário de Estado nos anos 1950, que além de representante legal da tragicamente conhecida United Fruit Company, definiu com clareza de que se tratava da guerra de ideias: “gastamos milhões de dólares preparando-nos para a guerra com as armas, mas gastamos pouco com a guerra das ideias e agora sofremos fracassos que não podem ser compensados com nosso poderio militar”. Porém, o diretor da Agência de Informação dos Estados Unidos, “enriqueceria” esta ideia: “a simples introdução da dúvida, no cérebro das pessoas, já significa um grande êxito”.
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Escalante se refere à década de 1980, quando Estados Unidos executavam uma cruenta guerra contra Nicarágua, e a Cia inventou para as forças contrarrevolucionárias um “Manual de Operações de Guerra Psicológica” que, entre outros muitos conceitos, “incluído o assassinato político”, expôs que “o ser humano deve ser considerado como o objetivo prioritário da guerra política, e que (…) tem seu ponto mais crítico na mente. Uma vez alcançada sua mente, foi vencido o animal político, sem receber necessariamente balas (…) O alvo é então as mentes da população civil”.
“Tais definições, 30 anos depois das primeiras, explicam a experiência adquirida pelos serviços e organismos especializados dos Estados Unidos em sua atuação contra nossos povos. Numerosas instituições não governamentais surgiram no cenário público para essa finalidade. Entre elas a Fundação para o Desenvolvimento da Democracia (National Endowment for Democracy – Ned) e o Instituto Internacional Republicano (International Republican Institute – Iri), junto com a arquireacionária Heritage Foundation, ocupam lugar privilegiado. Fabricam artigos, campanhas, imagens de pessoas e tudo o que se possa imaginar para alcançar seus fins: confundir, enganar, desviar”, adverte Escalante.
Foto: Brett Sayles | Pexels
Forças militares dos Estados Unidos que operam emissoras de rádios e jornais no Iraque e Afeganistão
Por outro lado, em cada embaixada estadunidense, além da Cia, a Usia e outras agências especializadas, uma sessão se ocupa do trabalho com os meios de comunicação de massa e das campanhas midiáticas.
Segundo o analista, “as campanhas de guerra psicológicas pretendem decompor a sociedade, desacreditar seus líderes e organizações de vanguarda, em outras palavras, subverter politicamente a área em que se projeta, debilita-la, decompô-la, para em seguida apropriar-se delas.
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Nesse ponto toma como exemplo o “referendum revogatório na Bolívia, em que, por iniciativa do presidente Evo Morales e pela primeira vez na história republicana, o país teve a opção de mudar as autoridades constituídas”. Escalante propõe “examinar os eixos das campanhas midiáticas elaboradas contra o dirigente boliviano, os insultos e calúnias, as mentiras expostas para comprovar como todos os conceitos enumerados, relativos à guerra psicológica, foram aplicados”.
Casos parecidos ocorrem na Venezuela, Nicarágua e no Equador, onde seus dirigentes e organizações “são ultrajados e caluniados através de campanhas desenhadas em Washington, por ascéticos ‘especialistas’ que desde seus escritórios com ar condicionado recebem encomendas governamentais.
Em outra análise sobre “o caso da Bolívia”, o pesquisador estadunidense Jeremy Bigwood destaca que a sede da página web do Bureau de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho, dos Estados Unidos, em 2006 patrocinou na Bolívia 15 oficinas “sobre liberdade de imprensa e expressão”. De acordo com esse documento, “os jornalistas do país e os estudantes de jornalismo discutiram a ética profissional, as boas práticas de difusão de notícias e o papel dos meios numa democracia”. Porém, essas matérias pouco tinham a ver com a liberdade de expressão ou a ética, como ficou demonstrado logo depois nas ações e práticas dos “bons alunos”.
Programas elaborados na embaixada foram enviados a 200 emissoras de rádio em áreas remotas por todo o país, com o que o esquema da guerra psicológica se estendia rapidamente.
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Depois de tentar impedir por todos os meios a eleição de Morales, desde que ele assumiu o governo começou uma campanha midiática que tinha como seu correlato a atuação cada vez mais violenta, inclusive ressurgindo antigos movimentos separatistas. Estes tinham uma velha história como país, desde os anos 1950, promovidos pelos Estados Unidos interessados nos recursos naturais das províncias mais ricas da Bolívia.
Bigwood faz referência ao novo organismo, o Conselho Governamental de Radiodifusão BBG, que em 1999 se converteu numa agência federal independente. Até 2006, recebeu um orçamento de 650 milhões de dólares, com cerca de 1,5 bilhão de dólares “destinados ao desenvolvimento dos meios de treinamento de jornalistas em Argentina, Bolívia, Quênia, Moçambique, Nigéria e Paquistão”.
Além da Voz da América, o BBG opera várias outras emissoras de rádio e TV, entre elas as que trabalham na desinformação no Oriente Médio.
Basta estudar a rede que atua na região para entender o que está a ocorrer na América Latina. Inclusive, como operam também as agências de contratistas (leia-se mercenários) e as forças militares dos Estados Unidos que operam emissoras de rádios e jornais no Iraque e Afeganistão, por exemplo, que não escondem seu vínculo estadunidense.
Um estudo do Centro de Estudos Globais de Comunicação da Escola Annenberg, para a Comunicação, da Universidade da Pensilvânia, revelou, em 2007, que a Science Applications International Corp (Saic), uma contratista de há muito tempo pelo Dod, recebeu um contrato inicial de 80 milhões de dólares por um ano para transformar em “independente” um sistema de meios dirigido pelo governo, através de um estilo similar ao do serviço de notícias nacionais da BBC, para se contrapor em parte à influência que tinha a Al Jazeera na região (Oriente Médio).
Neste caso, a Usaid têm também um papel preponderante.
“Em vários países, incluindo Venezuela e Bolívia, a Usaid está atuando mais como uma agência implicada em ações encobertas, como a Cia, que como uma agenda de ajuda para o desenvolvimento”, disse Mark Weisbrot, um economista do Centro para a Investigação Econômica e Política, um think tank com sede em Washington.
Calloni, Stella – Do livro Evo em la Mira – Cia e Dea en Bolivia – Punto de Encuentro – Buenos Aires, 2009 – Páginas 237, 238, 239 e 240.
Tradução: Paulo Cannabrava Filho
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