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Imagens: Yuting Gao/Pexels - Editora Elefante

“Entre a utopia e o cansaço: pensar Cuba na atualidade” é lançado neste sábado (20), em SP | Entrevista

Vanessa Oliveira, uma das organizadoras da obra, fala à Diálogos do Sul sobre a importância de renovar a compreensão sobre o viver e o processo revolucionário cubano; confira
Guilherme Ribeiro
Diálogos do Sul Global
Bauru (SP)

Tradução:

Neste sábado (20), acontece o lançamento do livro “Entre a utopia e o cansaço: pensar Cuba na atualidade”, no Memorial da América Latina, em São Paulo (20). O evento começa às 16h30 com a presença dos organizadores da obra – Aline Marcondes Miglioli, Fabio Luis Barbosa dos Santos e Vanessa Oliveira – e de autores para um debate com o público. A entrada é gratuita.

“Entre a utopia e o cansaço” reúne 22 textos de autores cubanos e de outras origens latino-americanas que, mais do que oferecer um olhar atualizado sobre o viver cubano, sugerem uma desconstrução da percepção romantizada sobre a Revolução Cubana.

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Vanessa Oliveira, doutora em ciências da informação e da comunicação e pesquisadora do projeto de extensão Realidade Latino-Americana, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), falou à Diálogos do Sul sobre a organização do livro.

Para Oliveira, nossa visão narcísica, baseada em nosso contexto sociopolítico, nos impede de compreender as dinâmicas cubanas e colaborar com o país. “Nosso trabalho vem no intuito de auxiliar a solidariedade internacional a se conectar com Cuba pelo que ela é hoje no seu território cercado de água e não no nosso imaginário”, explica.

A jornalista, que esteve na Ilha em janeiro de 2023, compartilha sua percepção sobre a população, permeada por um clima de desesperança e cansaço agudizado pela presidência de Donald Trump, a pandemia e a inércia de Joe Biden quanto às sanções que estrangulam a economia cubana: “As gerações mais antigas seguem tendo uma visão crítica sobre os EUA, mas boa parte dos mais jovens já não vê esse discurso do mesmo modo”, afirma.

Apesar das transformações e percalços do processo revolucionário cubano, sua importância, o mérito da luta do povo cubano e o papel de Cuba como exemplo de que o socialismo é possível se mantêm, destaca Vanessa:

Cuba “foi capaz de sobreviver a meio século de todas as táticas de desestabilização do Imperialismo”. E acrescenta: “Talvez a principal lição seja a lembrança histórica de que os projetos de esquerda que sobrevivem são aqueles que afrontam mais do que capitulam”.

Confira a entrevista completa a seguir, em que Vanessa Oliveira destaca ainda o papel de “Entre a utopia e o cansaço: pensar Cuba na atualidade” como um instrumento de discussão construtiva e de combate à desinformação sobre o país.

*  *  *

Guilherme Ribeiro – Com base na coletânea, nas escutas e na experiência imersiva no atual panorama cubano, como avaliam a importância do país como símbolo de resistência? Cuba é – ainda – um exemplo de que o socialismo é possível?

Vanessa Oliveira – Cuba será sempre um exemplo de resistência, porque sua população sobrevive em meio a um dos mais longos e cruéis bloqueios já realizados nas relações internacionais. Só por isso, o país já mereceria o título de símbolo de resistência. Que o processo revolucionário esteja passando por complexas transformações há algum tempo não tira o mérito da população, nem a importância histórica de seu processo revolucionário, muito menos o peso dos ataques aos quais o país foi submetido.

Cuba não só é um exemplo de que o socialismo é possível, mas de que, quando bem armado, ele pode ser muito resiliente. O processo revolucionário cubano, apesar de todos os seus percalços e contradições, foi capaz de sobreviver a meio século de todas as táticas de desestabilização do Imperialismo: invasão militar, tentativas de assassinato de lideranças, guerra de informação, bloqueio econômico, isolamento político e o colapso de seu principal fiador, com a implosão da União Soviética

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Hoje, nós vivemos um momento de baixa histórica da capacidade combativa da esquerda. Aqui mesmo no Brasil, temos um governo que, embora tenha feito alguns movimentos importantes de enfrentamento no plano da política externa, tem capitulado no plano nacional. Talvez a principal lição de Cuba para a gente aqui hoje seja a lembrança histórica de que os projetos de esquerda que sobrevivem são aqueles que afrontam mais do que capitulam.

Na apresentação da obra, vocês contam que no processo de receber textos e ouvir as ruas de Havana novos temas foram surgindo. Poderiam compartilhar uma das questões que mais chamaram atenção?

Acho que o tema mais forte naquele momento, janeiro de 2023, era o da emigração e de uma certa desesperança que ainda não havíamos observado nos nossos anos estudando a Ilha. A população cubana sempre teve um modo muito firme de defender seu processo político e inclusive de criticá-lo. Mas agora o que sentimos foi mesmo um cansaço.

Na minha avaliação, isso se deve ao tamanho da euforia que se criou quando a administração Obama tomou como um de seus principais projetos diplomáticos a reaproximação com Cuba. Depois de tantos acordos e de sentir que poderia ser afrouxada a corda do estrangulamento econômico, vieram Donald Trump, a pandemia e a inércia de Joe Biden em reformular políticas e desobstruir as vias de acordos que foram aniquiladas pelo governo republicano de Trump.

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A migração de jovens, o discurso inclusive de pessoas ligadas à política da Ilha e de jovens que têm se comprometido com a sobrevivência do processo revolucionário do país em contextos tão adversos foram os temas que mais nos causaram interesse desta vez.

Recentemente, Cuba passou por protestos em razão de falta de energia elétrica e escassez de alimentos. O Governo Cubano, inclusive, denunciou que os EUA, além de provocarem crises no país, fomentaram as manifestações. Durante a viagem à Ilha, como perceberam o clima da população? Como interpretam essa insatisfação?

Desde os primeiros anos da Revolução Cubana os Estados Unidos trabalham para criar, fomentar e ampliar insatisfações na Ilha. Todas as decisões do embargo, desde a primeira medida, têm como objetivo o fim do governo revolucionário. Mas não é mais possível dizer que a insatisfação está relacionada só a esse ciclo vicioso do qual os EUA sequer fazem menção hoje de romper.

Existem tensões importantes no Partido Comunista Cubano sobre os rumos a serem tomados, um receio das gerações mais antigas de que os jovens não mantenham valores importantes para proteger o país e, tudo isso, em um contexto de escassez e muitas dificuldades. Desde o Período Especial, as famílias não encontravam situações tão difíceis a enfrentar. E o PE foi um trauma coletivo tremendo. As pessoas receiam voltar a esse lugar.

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Ao mesmo tempo, as aberturas dos últimos anos criaram um desequilíbrio econômico no país; gentrificação nas cidades, acesso de poucos a divisas, inflação a níveis há muito vistos. A reforma econômica promovida pelo governo Díaz-Canel revogou em 2020 a dupla moeda, que permitia ao país reciclar divisa estrangeira sem causar um ciclo inflacionário com um influxo desmedido de dólares trazidos pelo turismo. Um dos reflexos imediatos do fim do Peso Cubano Conversível (CUC) foi justamente o aumento da inflação e a desigualdade – ambos elementos que acabaram contribuindo também para a insatisfação. Por isso, defendemos que as questões são múltiplas e, para compreender um pouco, é preciso olhar com generosidade e rigor intelectual para a realidade cubana.

Com base nas entrevistas que fizeram, como é a percepção da população sobre o papel dos EUA nas dificuldades vividas no país? O Governo trabalha e educa sobre a questão do bloqueio? Certamente, a crise tem outros fatores. Qual a percepção do povo?

A população ouve determinados discursos há muitos anos e sabe o quanto o bloqueio é prejudicial ao país. Ao mesmo tempo, números enormes de parentes que vivem nos EUA mandam notícias, dinheiro, criam trocas culturais novas, nascem novos fetiches. As gerações mais antigas seguem tendo uma visão crítica sobre os EUA, mas boa parte dos mais jovens – pensando na população menos antenada, não envolvida com política, por exemplo – já não vê esse discurso do mesmo modo.

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Eu acredito que algumas palavras e ideias do léxico revolucionário se repetiram tanto que foram perdendo significado para as novas gerações. E como as palavras de ordem não se traduzem mais em vitórias, facilidades, perspectivas e esperança no futuro, existe também um rechaço à política mais antiga. Isso não significa que a população seja pró-EUA, liberais, fascistas ou qualquer coisa do tipo. Uma grande parte tem total consciência da importância dos serviços públicos de qualidade e querem vê-los funcionando a pleno vapor. 

Como destacam a importância do livro no processo de luta contra o bloqueio imposto pelos EUA e o imperialismo?

Acredito que a atualização de uma perspectiva crítica sobre Cuba. Nossa solidariedade internacional precisa estar conectada com a realidade local para ser eficiente nas duas mãos: tanto de lá para cá, quanto de cá para lá. Não podemos, em determinados espaços, fazer discussões, porque precisamos defender alguns símbolos no nosso contexto sociopolítico.

É esta última necessidade, narcísica, que impede muita gente de compreender o quanto poderíamos colaborar com Cuba do ponto de vista de compreender a evolução de sua dinâmica cultural, as aspirações das novas gerações, seu cansaço com as palavras de ordem de outrora – e a consequente ilusão que alimentam sobre o mundo fora de suas fronteiras; estudar com afinco as contradições dos novos cenários.

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Por exemplo, é possível que alguém que conhece o Brasil desde os anos 1960 consiga ler nossa realidade em 2024 sem levar em consideração análises sobre Junho de 2013, o golpe na presidenta Dilma Rousseff e a eleição de Bolsonaro, em 2018? De modo algum! Nosso trabalho vem no intuito de auxiliar a solidariedade internacional a se conectar com Cuba pelo que ela é hoje no seu território cercado de água e não no nosso imaginário.

Perfis de extrema-direita estão habituados a atacar Cuba. Para além do socialismo, conteúdos postados nas redes sociais frequentemente miram políticos, partidos e governos progressistas do Brasil que possuem uma boa relação com a Ilha. Como avaliam esse tipo de publicação? “Entre a utopia e o cansaço” certamente seria uma boa indicação para quem deseja entender a realidade cubana livre de explicações rasas?

Eu acho que temos que responder menos a quem tenta criar desinformação sobre nossa luta, com análises rasas e estigmatizantes sobre a realidade de quem tenta resistir há décadas de opressão e exploração estadunidenses. Precisamos gastar menos tempo com isso. Não tem diálogo com desinformação – o objetivo de quem a promove é justamente nos colocar na defensiva, brigando para provar que a Venezuela não é uma ditadura, que Cuba não promove extermínio em massa, que na Coreia Popular, é proibido olhar pela janela… Esse tipo de absurdo.

A gente não pode se render ao absurdo e tentar construir uma conversa racional com a ignorância. Precisamos ditar o debate, ao invés de ocupar essa posição eternamente defensiva. Temos que pensar sobre quais aspectos devemos nos debruçar na atualidade; sobre quais questões é possível refletir melhor; que resultado teremos se recuperarmos nossa capacidade de construir juntos leituras internacionais sobre as distintas realidades nos nossos países e em suas diásporas.

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Eu, sinceramente, espero que este livro seja um instrumento para gerar discussões construtivas sobre Cuba e seus desafios na era da desinformação; do capitalismo financeirizado, da mais absoluta catástrofe. Que seja um instrumento para a construção de diálogos propositivos, para nos ajudar a sair da defensiva interna e mirar a solidariedade socialista internacional.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Guilherme Ribeiro Jornalista graduado pela Unesp, estudante de Banco de Dados pela Fatec e colaborador na Revista Diálogos do Sul Global. Mais conteúdos em guilhermeribeiroportfolio.com

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