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Foto: Governo da Argentina

Fechar Hospital Nacional de Saúde Mental é ataque de Milei à memória histórica argentina

"É uma mensagem não só no campo da saúde em geral, mas também política - muito evidente - no tema dos direitos humanos", afirma o colunista e escritor Luis Bruschtein
Stella Calloni
Diálogos do Sul Global
Buenos Aires

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A decisão do Ministério da Saúde do governo ultradireitista de Javier Milei, de fechar o Hospital Nacional de Saúde Mental “Licenciada Laura Bonaparte” começou por suprimir as emergências e a internação de pacientes, o que chocou profissionais, a população e os outros hospitais que também estão sob ameaça; o fato coincide com uma longa e severa carta pública que a Anistia Internacional (AI) enviou ao mandatário, com fortes reclamações.

Na carta a Milei, a AI afirma que “nos alarma o aumento da pobreza, que os direitos humanos sejam atacados” e também reclama ao mandatário por liderar “uma confrontação violenta e intolerante, própria de práticas autoritárias”. Além disso, alerta sobre o uso do discurso de ódio e o perigo de que, em nome da segurança, sejam tomadas medidas que põem a população em risco.

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No fim de semana, os profissionais de saúde mental repudiaram a decisão do governo e começaram um protesto em torno do edifício, permanecendo em vigília durante toda a noite; ficaram no local onde há um número de pacientes internados, que não têm um lugar similar para serem transferidos.

Laura Bonaparte

Vale recordar que o hospital leva o nome de Laura Bonaparte, uma reconhecida psicóloga já falecida, cujo marido, Santiago Bruschstein, foi sequestrado de sua casa em 1976 durante a ditadura, estando ele com problemas cardíacos, e morreu nas mãos dos criminosos; depois, seus filhos também foram sequestrados, Noni (no final de 1975), Irene e Víctor (em 1977), todos desaparecidos. Apenas Laura e seu filho mais novo, Luis Bruschstein, sobreviveram, ambos exilados no México.

Bonaparte trabalhou, junto a um importante grupo de psicólogas, em um Serviço de Saúde Mental de portas abertas no município de Lanús, na Província de Buenos Aires, em um bairro popular, sob a direção do psiquiatra Mauricio Goldemberg, uma experiência que revolucionou o sistema e foi reconhecida mundialmente. Ela também foi observadora da Anistia Internacional na Guatemala, El Salvador e na Nicarágua, nos primeiros tempos da revolução sandinista.

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É necessário entender o que há por trás dessa decisão, disse o jornalista, colunista e escritor Luis Bruschtein, em comunicação com La Jornada, “é uma mensagem não só no campo da saúde em geral, mas também política – muito evidente – no tema dos direitos humanos”. Laura foi integrante das Mães da Praça de Maio.

Edifício histórico e sistema de saúde

A isto se agrega que o edifício do hospital é histórico e data de 1889; desde então, acolheu diversas instituições. Em 2012, por resolução do Ministério da Saúde, foi destinado a uma nova missão dentro do marco da Lei Nacional de Saúde “com o objetivo de garantir o direito à proteção da saúde mental e o pleno gozo dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais que estejam no território nacional”. Em meados de 2016, o nome da instituição foi alterado para: Hospital Nacional em Rede Especializado em Saúde Mental e Adições “Licenciada Laura Bonaparte”.

“É uma definição da política de destruição, não só da memória histórica, mas da saúde pública, que, assim como a educação, o governo tenta anular. Se permitirem que avancem, vão fechar todos os hospitais públicos de saúde”, afirmam os trabalhadores do Bonaparte, que decidiram permanecer no hospital e desmentiram a informação das autoridades de saúde de que não havia pacientes suficientes, afirmando que ao longo deste ano “mais de 25 mil pessoas foram atendidas”.

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Além disso, denunciaram que o fechamento do hospital deixaria “milhares de pacientes em saúde mental, incluindo crianças e adolescentes, sem tratamento (…), não podem nos enganar, não se trata de números. Este hospital presta um serviço essencial a toda a comunidade”, especialmente neste momento de crise.

Ocupação pacífica

Também anunciaram que permanecerão de forma pacífica nas instalações: “não descartamos que nas próximas horas as ações se intensifiquem”, disse um dirigente sindical dos Trabalhadores do Estado, destacando que estão em jogo quase 700 postos de trabalho. Também advertiram “que não aceitarão nenhum tipo de criminalização e judicialização do protesto, pois estamos exercendo nosso legítimo direito de trabalhar”.

Por outro lado, o novo ministro da Saúde, Mario Lugones, também pediu a renúncia do Conselho de Administração do Hospital Garrahan porque, diante da indiferença do governo em aumentar os salários, que estão abaixo do mínimo necessário, decidiram conceder um bônus de 500 mil pesos aos médicos para salvar a situação. O Garrahan é o único hospital infantil que realiza transplantes e trata doenças que não podem ser tratadas em outros lugares, sendo reconhecido em toda a região por seu alto nível de complexidade.

O pessoal é altamente especializado e “é um crime deixar esse hospital à deriva depois de tantos sacrifícios e tantas vidas salvas”, denunciaram os trabalhadores; afirmam que “enquanto a liberdade é restringida a cada dia, a ameaça de fechamento de hospitais públicos é de uma ‘crueldade que identifica o governo atual’”. Além disso, destacaram que as medidas governamentais estão “destinadas a destruir e entregar o país”.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Stella Calloni Atuou como correspondente de guerra em países da América Central e África do Norte. Já entrevistou diferentes chefes de Estado, como Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo Morales, Luiz Inácio Lula da Silva, Rafael Correa, Daniel Ortega, Salvador Allende, etc.

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