A Otan celebrou seu 75° aniversário com o objetivo de impedir que a ordem global continue sua transformação e se consolide um modelo multilateral alternativo, com centro econômico no sudeste asiático e geopolítico no denominado Sul Global. A Aliança Atlântica busca blindar o unilateralismo e o direito do Ocidente de instituir bloqueios e sanções àqueles que não se submetem a suas prerrogativas geopolíticas. Em 1949, uma dúzia de países se associou para enfrentar o Pacto de Varsóvia e especialmente a União Soviética. O comunismo deixou de existir na Europa Oriental na década de 1990 e, no entanto, a Otan não diminuiu sua presença. Pelo contrário, incrementou-a. No início deste século, o próprio Vladimir Putin solicitou o ingresso da Federação Russa na Otan. A resposta foi negativa. A essa altura, todos os atores deduziram que o inimigo a ser desintegrado era o gigante eurasiático. Hoje são 32 os sócios da aliança militar ocidental.
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Vladimir Putin e os militares russos decidiram romper o cerco para evitar a repetição da traição sofrida em 1941, quando a invasão nazista deixou 28 milhões de mortos para a URSS. Esta é a terceira vez que o Ocidente busca debilitar e/ou desmembrar o país mais extenso do mundo, possuidor de recursos naturais incalculáveis. A primeira delas foi comandada por Napoleão Bonaparte. A segunda foi a ordenada por Adolf Hitler: os russos parecem entender de assédios, ataques e cercos.
A guerra na Ucrânia começou com o golpe de Estado de 2014, que proscreveu os partidos políticos falantes de russo. Aprofundou-se com o massacre da Casa dos Sindicatos, em Odessa, onde foi queimada viva meia centena de manifestantes que recordavam a vitória do Exército Vermelho. Reforçou-se com as perseguições no Donbass e com as ameaças de Kiev de pôr baterias de mísseis da Otan a 600 quilômetros de Moscou. Em 2018, o governo golpista de Kiev decidiu designar o ex-integrante das SS, Stepan Bandera, como herói nacional ucraniano. A colocação de seu monumento foi considerada por aqueles que recordam a Batalha de Stalingrado como uma declaração de guerra.
Há três anos começou a denominada Operação Militar Especial, decidida por Moscou para romper o cerco implantado pela Otan. O atual secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg – que concluirá seu mandato no próximo primeiro de outubro, foi sincero no primeiro dia da cúpula, ao advertir que a possível vitória de Moscou no campo de batalha significaria uma mudança integral do cenário global: “O resultado desta guerra – assumiu – dará forma à segurança global durante décadas”.
O que o titular da Aliança Atlântica ocultou é que os BRICS, sobretudo a China e a Rússia, atreveram-se a desafiar o globalismo unilateralista controlado pela Tríada do Poder Real: as transnacionais, os centros financeiros internacionais e o Complexo Militar Industrial. E que as organizações que lhe dão cobertura (a Otan, o G7, o FMI e o Banco Mundial) começam a perder capacidade relativa de ingerência no Sul Global. Por isso a disputa bélica na Europa Oriental é de Moscou contra Ucrânia e mais os 32 países que integram a Otan. Isso explica a presença de 12 mil oficiais e recrutas de 84 países nos regimentos de Kiev, contratados para combater as tropas russas.
4 fragilidades da Otan
Os membros da Aliança chegam a seu 75° aniversário com fragilidades e apatias no mesmo lapso em que Moscou continua seu avanço paciente e meticuloso no campo de batalha. A reunião que ocorre no auditório Andrew W. Mellon, o mesmo em que Harry Truman organizou a primeira Cúpula em 1949, acontece sob quatro condicionamentos, identificados como debilidades:
(a) O anfitrião, Joe Biden, exibe claros sinais de deterioração cognitiva, enquanto seu oponente, Donald Trump, mostra-se desconfiado com a Otan e crítico de Volodymyr Zelensky.
(b) O mandatário húngaro e líder da direita europeia, Viktor Orbán, desvinculou-se da ênfase guerreirista de Washington e Bruxelas. Orban viajou a Moscou para encontrar-se com o presidente russo, enquanto as fábricas de propaganda da Otan buscam divulgar a imagem de um Putin isolado.
(c) A crise econômica que vivem os europeus – do encarecimento da energia e dos alimentos –, deteriorou o vínculo dos povos. Desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, os aliados investiram um total de 120 bilhões de dólares em assistência a Kiev.
(d) A Nova Frente Popular de Jean-Luc Mélenchon e a ultradireita francesa de Marine Le Pen se afastaram de forma explícita da ênfase guerreirista de Emmanuel Macron. Sete de cada dez franceses se situa nas antípodas das pretensões da Otan.
No ágape oferecido aos jornalistas que cobriram a Cúpula no Auditório Mellon, a apenas 200 metros da Casa Branca, um jornalista nascido em São Petersburgo – então Leningrado – comentou: “Acontece que a Federação Russa não tem dia da independência. É que nunca foi submetida e nunca dependeu de ninguém”.
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