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Nicolás Maduro e Vladimir Putin (Foto: Anatoly Medved / Agência Rússia Brics)

Veto do Brasil no Brics não atinge apenas Venezuela, mas todo o Sul Global

Postura foi um crime, uma intromissão nos assuntos da Venezuela, como se Maduro tivesse alguma obrigação de prestar contas ao Brasil sobre as eleições venezuelanas
Eduardo Vasco
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Os jornais da direita (seus inimigos, mas em quem Lula e o governo confiam mais do que em seus aliados históricos) citam fontes anônimas no Itamaraty dizendo que o Brasil foi “essencial” para barrar a entrada da Venezuela como parceiro oficial dos BRICS.

O Brasil não foi “essencial”, foi única e exclusivamente ele quem barrou a Venezuela. Há muito tempo havia um consenso sobre o convite à Venezuela e o único que se opôs, no frigir dos ovos, foi o governo brasileiro. Como as decisões fundamentais do bloco são sempre por consenso, se há um único divergente a proposta não é adotada. Na verdade, o Brasil se isolou. Mas falo sobre isso daqui a pouco.

Foi um crime a postura brasileira. Um golpe nos princípios da esquerda, de Lula e do PT. Foi também contra os próprios princípios declarados da diplomacia brasileira, que supostamente prega a não intervenção na política interna de outros países. Mas o voto contra a Venezuela foi uma intromissão nos assuntos venezuelanos, como se Maduro tivesse alguma obrigação de prestar contas ao Brasil ou a qualquer outro país sobre as eleições venezuelanas – decididas, como ocorreu, pelo povo venezuelano.

Tanto o “veto” à Venezuela como a razão deste foram um golpe também nos princípios dos BRICS. O bloco não integra países em virtude de sua política interna, mas sim de suas aspirações internacionais. E a Venezuela compartilha das aspirações fundamentais declaradas por todos os países do bloco – mais do que outros países a cuja entrada o Brasil não se opôs.

Sanções dos EUA e a incoerência do veto

Lula já falou tanto em acabar com as sanções unilaterais dos Estados Unidos contra a Venezuela, porque elas são o principal motivo da devastação econômica do país, levando à escassez de produtos e serviços básicos e à emigração de tantos venezuelanos.

Pois bem, os BRICS poderiam reduzir significativamente os efeitos nefastos dessa guerra econômica imposta pelos EUA à Venezuela há mais de dez anos. O acesso de Caracas aos BRICS como parceiro facilitaria a sua integração econômica com seus membros, possibilitaria elevar exponencialmente o volume de investimentos e recuperar o país, econômica e mesmo politicamente. A estabilização da economia conduziria à pacificação política, ao menos relativa, pois diminuiriam as tensões políticas e sociais. Não é justamente nisso que o presidente Lula aposta internamente?

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Se Lula e o governo se preocupam com a situação dos direitos humanos no país vizinho, seria uma obrigação integrar a Venezuela nos BRICS. As causas principais da violação dos direitos humanos dos venezuelanos são a guerra econômica e as tentativas sucessivas de golpes de Estado, que empobrecem o povo e geram uma onda de violência.

Os BRICS poderiam concretizar aquilo que o presidente Lula limita apenas ao discurso. Fica muito feio para o Brasil, pois parece que tudo o que dizemos ao mundo não passa de demagogia barata.

Veto e velocidade da expansão dos BRICS

E aqui chegamos à questão do isolamento do Brasil. Além de ser o único que se opôs à inclusão da Venezuela como país parceiro, também evidenciou que é contrário à rápida expansão dos BRICS. Assim como no caso da Venezuela, isso denota uma subserviência do governo brasileiro aos interesses dos Estados Unidos, que não querem a expansão do bloco – muito pelo contrário, querem o seu enfraquecimento, enxugamento e destruição.

Muito bem. Ao tentar agradar os Estados Unidos, o governo brasileiro queima o próprio filme com todos os cerca de 40 países que estão ansiosos para entrar nos BRICS – além das dezenas de outros que também querem se alistar. É uma ação contrária ao “Sul Global”, termo que o próprio presidente tem utilizado, buscando se apresentar como um líder dessa maioria mundial. Todos esses países certamente começam agora a ver o Brasil como um parceiro não muito confiável, que diz uma coisa e faz outra.

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Por último, uma aspiração histórica do Brasil é ser membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Típico de um setor mais avançado da burguesia nacional – o outro é abertamente capacho e não quer o Brasil no meio dos grandes. Aquele setor acha que é possível entrar no clube da elite, fazer parte dele de igual para igual, porque o mundo é justo. 

Ultimamente, o governo Lula tem indicado que já não acha o mundo tão justo assim e exige uma reforma para que o Brasil possa entrar no clube. Entendendo que um exemplo dessa injustiça é o poder quase despótico do Conselho de Segurança da ONU, o presidente quer o fim do poder de veto nas decisões da cúpula. Já criticou os vetos exercidos por Rússia e Estados Unidos.

Pesos e medidas

No entanto, acaba de vetar, sozinho, a parceria oficial da Venezuela com os BRICS. Fez o que tanto tem criticado os outros de fazer. Essa não é uma política soberana, independente, não-alinhada. É um pseudonacionalismo barato que às vezes beira o chauvinismo. Como costuma ocorrer com os chauvinistas, esse jogo está a serviço de uma terceira força, um poder imperialista.

Durante a campanha, em 2022, Lula disse que a política externa brasileira “nunca permitiu que a gente falasse grosso com a Bolívia ou com o Uruguai, ou qualquer outro país pequeno; mas também nunca permitiu que falasse fino com os EUA”. Isso não é bem verdade, porque em governos lacaios dos EUA o Brasil até enviou tropas como bucha de canhão para a República Dominicana (1965), ou para o Haiti, em pleno Lula 1.

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Mas ele quis dizer que a diplomacia “ativa e altiva” de seu governo não lhe permitiria adotar dois pesos e duas medidas a depender da envergadura do país em questão. Porém, está contradizendo essa norma ao tratar a Venezuela do jeito que está tratando. 

Isso pode até dar a impressão de que está impondo a sua vontade aos outros. Quando, na verdade, se está agindo como procurador de um outro país.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Eduardo Vasco Jornalista, trabalhou como enviado especial no início da intervenção russa na guerra da Ucrânia e escreveu o livro "O povo esquecido: uma história de genocídio e resistência no Donbass".

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