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Cannabrava | A democracia relativa de Lula ou a relatividade da democracia

Conceito de democracia estrito senso não existe nem nas sociedades tribais, assim que a relatividade é intrínseca à democracia
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

No Foro de São Paulo, encerrado neste domingo, 2 de julho, que reuniu representantes de partidos políticos e de governo de 13 países de Nossa América, o fato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter defendido o direito à autodeterminação de Cuba e Venezuela desencadeou onda de críticas, por supostamente estar a defender ditaduras, e suscitou o debate sobre a democracia, que segundo Lula é relativa.

O conceito de democracia estrito senso, governo do povo, para o povo, pelo povo, não existe nem nas sociedades tribais, assim que a relatividade é intrínseca à democracia.

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Países com democracia popular, exercida desde a base do poder municipal, como em Cuba e na China, são chamados de ditadura, e países como o Brasil ou Estados Unidos, governados por verdadeiras ditaduras plutocratas excludentes, são chamados de democracia. 

Na Venezuela, María Corina Machado foi proibida de registrar sua candidatura à eleição de 2024, por representar uma ameaça de vitória sobre o presidente Maduro, perdão, “ditador” Maduro.

No Brasil de 2018 Lula foi preso e impedido de participar da eleição por representar uma ameaça de vitória sobre os militares ansiosos por retornar ao poder e implantar uma ditadura. Que democracia é essa?

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Na Venezuela, María Corina foi cassada em seus direitos políticos por 15 anos, por decisão da Controladoria Geral da República, juntamente com Henrique Capriles, eterno candidato à presidência, e Juan Guaidó, aquele que se autodeclarou presidente da Venezuela a serviço dos Estados Unidos.

Para o Departamento de Estado dos EUA, a inabilitação dos três políticos “priva o povo venezuelano de direitos políticos básicos”. 

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Agora mesmo, o Brasil proibiu Bolsonaro, que teve 48% dos votos e potencial candidato às próximas eleições; até 2030 não pode participar de nenhuma eleição e não é ditadura. 

Que democracia é essa? Aqui pode, na Venezuela não pode. Considerando que na Venezuela eles realizam mais eleições do que no Brasil, chamar de ditadura é puro cabotinismo.

Aqui pode cassar um sujeito, como Lula, sem culpa alguma, e não passa nada. Lá não pode cassar uma oposição que é descaradamente manejada pelos Estados Unidos, país que impôs um bloqueio econômico e financeiro à Venezuela, causa da crise econômica e social.

Segundo a ONG Foro Penal, Venezuela encerrou o ano de 2022 com 274 presos políticos, 26 deles desde 2021. A maioria desses presos foram condenados por participação em atos de terrorismo ou de traição à pátria fazendo o jogo dos agentes dos Estados Unidos.

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Em contraste, o Brasil iniciou o ano de 2023 com cerca de dois mil presos políticos, a maioria por participação nos atos de vandalismo durante o golpe de estado fracassado de 8 de janeiro. Qual dos dois países é mais democrático?

Ao cassar os direitos políticos de Bolsonaro por oito anos, Alexandre de Moraes, ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vaticinou que “a resposta que o TSE dará, tenho absoluta certeza de que confirmará a fé na democracia, no Estado de Direito, em repulsa ao degradante populismo revestido a partir dos chamados discurso de ódio e antidemocrático”.

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A manifestação de voto é importante porque firma jurisprudência e vai valer para as próximas eleições.

Bolsonaro se faz de vítima, perseguido pelos supremos ministros, não é candidato, mas está livre e se mantém como militante privilegiado do PL, sua mulher ganha protagonismo na rearticulação das bases eleitorais.

Como disse a presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann, “é óbvio que essa decisão (do TSE) não tira a extrema direita do jogo político. O bolsonarismo continua aí”.

Conceito de democracia estrito senso não existe nem nas sociedades tribais, assim que a relatividade é intrínseca à democracia

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Não se pode chamar de democracia um país que foi durante quatro anos governado pelo capitão Jair Bolsonaro e o general Hamilton Mourão

Continua por aí com gente tão ou mais perigosa do ponto de vista da ameaça do fascismo entreguista, como o governador de São Paulo, capitão do Exército, Tarcísio, do Partido Republicano, partido da neopentecostal Igreja Universal, do bispo Edir Macedo, figura entre os mais ricos do mundo nas listas da revista Forbes.

A vontade do povo está na Constituição

Michel Temer, o ilegítimo, foi professor de Direito Constitucional, escreve artigo sobre Constituição e Poder, revela o paradoxo ao afirmar que todo poder emana do povo, diz a Constituição Federal, e faz a pergunta: onde está a vontade do povo? Responde: Está na Constituição. Constituição que ele rasgou, simplesmente.

Temer foi eleito vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff. Com a deposição da presidenta pelo golpe de estado jurídico-parlamentar (lawfare), assumiu o poder e traiu ao executar um projeto de governo oposto ao qual tinha sido eleito.

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No poder avançou na desmontagem do Estado, desregulamentou o trabalho e a previdência e presidiu a farsa eleitoral de 2018, a operação de inteligência que levou os militares novamente ao poder. Não fosse Temer não haveria Bolsonaro. Se respeitada a Constituição, em eleições limpas, Lula teria sido eleito em 2018, como foi eleito em 2022.

Não se pode chamar de democracia um país que foi durante quatro anos governado pelo capitão Jair Bolsonaro e o general Hamilton Mourão, sendo o poder exercido na realidade pelos generais e mais de 9 mil oficiais das três armas. Não se pode chamar de democracia um país em que o legislativo é controlado por quatro ou cinco agrupamentos que atuam em função dos seus próprios interesses.

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Pelo voto os militares foram retirados do poder. Lula e Alckmin não conseguiram ainda se livrar dos militares, tamanha a presença nos vários estamentos da administração. Paralelamente, o presidente convive com um Legislativo que, tal como na legislatura anterior, é controlado por grupos de interesse de uma plutocracia. O poder da minoria se exerce com a ditadura da maioria, proporção de três votos contra um.

A governabilidade é impossível no atual sistema político com mais de 30 partidos com assento no Legislativo, em que predominam partidos ônibus, sem programa e sem princípios. Explico bem isso no meu livro A Governabilidade Impossível, da editora Alameda, de 2018.

Leia também: Ditadura do Centrão mascara a democracia dos venais. Há que se pensar em uma nova Constituição!

Deixa claro que é preciso um novo pacto, previa reforma profunda do sistema político eleitoral. Claro que não é hora para isso, pois as massas estão desmobilizadas e a direita se impõe, mas, sempre é hora para se pensar em construir um modelo próprio de democracia, mais participativa, em que partidos representem ideias e projetos.

A hora é de concentrar os esforços na organização e mobilização das massas populares, com o objetivo de reverter a atual correlação de forças. Só assim poderemos chamar para uma Constituinte de refundação do Estado brasileiro.

Árdua a tarefa que se nos impõe de mudar também a mentalidade do militar, a começar por cortar todos os vínculos com os Estados Unidos, única maneira de construir uma pátria soberana.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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