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Foto: Shreyan Bhansali

Em Washington, Brasil adverte: FMI e BM seguem privilegiando EUA e outros países poderosos

Delegação do governo brasileiro participou de um encontro realizado pelos órgãos; para líder da Oxfam, hipocrisia dessas instituições precisa acabar
David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Washington

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A reflexão aos delegados participantes nas reuniões de primavera do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizadas de 15 a 20 de abril em Washington, é se os países do Sul Global podem conquistar uma mudança nas políticas econômicas neoliberais que continuam beneficiando sobretudo as empresas transnacionais e os mais ricos.

“Não há forma de evitar que os Estados Unidos seja o país mais poderoso no Banco Mundial e no Fundo. Tem que mudar sua rota”, declarou o economista Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, o qual também é um colaborador do La Jornada, em um fórum realizado em Washington. “Governos sucessivos [dos Estados Unidos] se opuseram frequentemente aos apelos dos países do Sul Global, não só por reformas destas instituições financeiras internacionais, mas para também abordar a crise da dívida global e criar um sistema mais justo de tributação global”. Stiglitz ressaltou que “o neoliberalismo piorou a economia mundial”.

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A delegação do governo brasileiro nessas reuniões não ocultou seu desejo de promover mudanças na estrutura destas instituições econômicas globais, e em conversas privadas também adverte que as tomadas de decisões continuam privilegiando os Estados Unidos e outros países poderosos.

Em um foro chamado “Refazendo a governança econômica global para uma era pós-neoliberal” organizado pela Oxfam Internacional, a doutora Adriana Abdenur, assessora especial da presidência do Brasil, assinalou que muitas das economias avançadas estão abertamente promovendo estratégias industriais para beneficiar seus próprios povos, mas as instituições financeiras internacionais que dominam continuam insistindo em políticas neoliberais para os demais.

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“O sistema está nutrindo a desigualdade em lugar de combatê-la”, declarou Abdenur, que esclareceu que estava falando em forma pessoal e não como representante do governo do Brasil. “Uma era pós-liberal é uma na qual normalizamos o papel do Estado – onde o mercado não é o ponto de partida para o desenvolvimento sustentável ou a ação climática. Agregou que “não há forma de evadir os apelos desde o Sul Global para reformas audazes nos espaços de tomada de decisões da governança global”.

Protestos

Em protestos na periferia das reuniões oficiais desta semana, especialistas e representantes da sociedade civil do Sul Global estão expressando críticas severas da estrutura destas organizações financeiras multilaterais. Delegados que chegaram ao edifício do Banco Mundial se viram obrigados a passar frente a um pequeno contingente de manifestantes que sustentavam uma faixa dizendo “Banco Mundial – deixe de financiar gás”, e diziam em coro ser pelo fim de todo financiamento a combustíveis fósseis.

“Ninguém deseja o futuro perdido após décadas de ajustes estruturais”. Declarou o doutor Ndongo Samba Sylia, que foi assessor do ex-presidente do Senegal, e diretor da seção africana de uma associação de economistas progressistas. No foro da Oxfam, agregou que “a finança privada global não é um novo salvador, mas uma aposta que nos encadeia a um marco financeiro conservador. Mais do que nunca, os Estados Unidos e outros países ricos têm que despertar ante a realidade de que estas instituições, tal como funcionam, não só têm vivido além de ser úteis, mas têm caído em uma obsolescência destrutiva”.

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Como prova da necessidade destas mudanças, a Oxfam Internacional emitiu esta semana uma pesquisa que constatou que a desigualdade do ingresso é alta ou está crescendo em 60% (64 de 106) de países de baixo ou médio ingresso recebendo créditos do FMI e do Banco Mundial. Estes dados são adicionais ao que se detectou no ano passado de que mais da metade dos países mais pobres do mundo, com uma população total de 2 mil e 400 milhões de pessoas, terão que reduzir o gasto público por um total combinado de 229 bilhões de dólares durante os próximos 5 anos. Samba Sylla acrescenta que “necessitamos ver os paradigmas que oferecem às nações do Sul Global mais controle, que os libera da dependência sobre produtos baseados em matérias-primas e baixos salários e lograr a industrialização verde e bens públicos universais”.

Respostas limitadas aos principais problemas econômicos globais

Líderes financeiros do mundo que chegaram a Washington para as reuniões enfrentam prognósticos de novas gerações sem emprego, crescente desigualdade econômica e ameaças de que a inteligência artificial poderia só fazer pior a estes problemas, tudo isso ainda antes que tentem responder aos críticos dessas instituições.

“Os empregos são a melhor maneira simples de pôr um prego no ataúde da pobreza”, declarou Ajaypal Singh Banga, presidente do Banco Mundial, em uma sessão informativa na semana passada sobre as reuniões globais. “Na próxima década, haverá bilhões de pessoas chegando à idade para serem empregados no Sul Global. Esse é o dividendo demográfico”, disse e advertiu que “por ora, o prognóstico [de novos empregos] para estes mesmos países é de 324 milhões”. A diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, ofereceu mais cifras preocupantes para o futuro imediato ao descrever os resultados de uma investigação de sua instituição sobre o impacto da inteligência artificial – alguns serão melhorados, muitos desaparecerão”. Assinalou que nas economias avançadas, 60% dos empregos serão impactados, assim como 26% [de empregos] em países de menores ingressos. Embora o impacto seja menor nos países menos desenvolvidos, isso também poderia implicar que “poderiam ser deixados para trás”.

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Os líderes destas instituições financeiras multilaterais dedicaram a maioria de suas apresentações prévias às reuniões falando sobre os avanços que lograram nos últimos anos e que preveem como próximos passos. O FMI, comentou Georgieva, injetou um trilhão de dólares em liquidez e reservas – 650 bilhões dos fundos conhecidos como Direitos Especiais de Saque e 360 bilhões em empréstimos em 2021. No Banco Mundial, comentou Banga, foram autorizados 40 bilhões de dólares a mais em empréstimos ao longo dos próximos 10 anos, e estão acelerando créditos e investimentos em políticas para abordar empregos, energia, desigualdade, infraestrutura, saúde, entre outros rubros. A diretora do FMI advertiu que seus economistas projetam que a próxima década será de “crescimento morno” e “descontentamento popular” a menos que diminuam as cargas de dívida e aumentem a produtividade do Banco Mundial. Agregou que “o número de países de baixos ingressos está gastando mais no serviço da dívida que sobre saúde e educação”.

Revés histórico

O Banco Mundial, em um informe emitido nesta semana, diz que uma sondagem dos 75 países mais pobres com quem trabalham, encontraram que “a metade dos países mais vulneráveis do mundo estão enfrentando uma brecha crescente de ingressos frente às economias mais ricas pela primeira vez neste século”. No que o Banco chama de um “revés histórico”, a pesquisa aponta que a taxa de pobreza extrema nesses países é oito vezes a do resto do mundo, sendo que alguns países são mais pobres, em média, do que eram antes da pandemia.

Praia de Chowpatty, Mumbai, Índia, em 9 de janeiro de 2007 (Foto: Shreyan Bhansali)

Mas especialistas externos dizem que o problema poderia ser ainda maior do que o Banco reconhece. “A desigualdade de ingresso está alta ou se está incrementando em 60% (96 de 106 países) de ingresso baixo ou médio que recebem fundos ou empréstimos do FMI e do Banco Mundial” afirma a Oxfam Internacional. Enquanto a organização anti pobreza dá as boas-vindas à decisão do Banco no ano passado para estabelecer metas sobre a redução da desigualdade pela primeira vez em sua história de 80 anos, assinalaram que o problema tem frequentemente a ver com as recomendações destas instituições.

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“O FMI e o Banco Mundial dizem que enfrentar a desigualdade é uma prioridade, mas com o mesmo alento, apoiam políticas que incrementam a divisão entre os ricos e os demais. As pessoas comuns lutam cada vez mais a cada dia para superar os cortes no financiamento público de saúde, educação e transporte. Esta hipocrisia… tem que acabar”, disse Kate Donald, chefe do escritório de Oxfam Internacional em Washington.

Lentidão no combate as crises

Os esforços destas instituições multilaterais para abordar a mudança climática também avançam lentamente. No ano passado, os países ricos que geraram a grande maioria da contaminação ao longo de um século concordaram em criar um fundo de perdas e danos para ajudar os países pobres a abordarem a crise gerada por esta contaminação. A primeira reunião sobre esse fundo, patrocinada pelo Banco, por fim está programada para realizar-se em Dubai em fins de abril.

Mas os montantes de financiamento oferecido por estas instituições e os países ricos do mundo desenvolvido não estão nem perto do que se requer. “A necessidade é para trilhões (de dólares) e o que temos são milhões – nem bilhões”, declarou Ritu Bharadwaj, um pesquisador sobre financiamento e clima do International Institute for Environment and Deveoplment (IIED) na Grã-Bretanha, em entrevista à Climate Home News.

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Não há indicações de que esteja contemplando um aumento significativo em fundos para abordar a mudança climática ou a crescente desigualdade econômica nestas reuniões. Os líderes do FMI e do Banco insistem que seu papel é organizar financiamento e recomendar políticas econômicas que logrem atrair o setor privado, o qual, segundo todos, necessita ter um papel maior. Depender do capital privado como salvador para abordar problemas do mundo em desenvolvimento – problemas frequentemente criados pelo mundo desenvolvido – tem sido uma prática comum nestas reuniões ao longo das últimas décadas.

Mas o histórico do setor privado no mundo em vias de desenvolvimento não sugere, até agora, que esteja focado em eliminar a pobreza, a desigualdade ou abordar a crise climática. Os dados em um novo informe feito por um grupo de especialistas independentes do G20 não nutre a esperança sobre o capital privado como solução.

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“O setor privado tirou um par de centenas de bilhões de dólares dos países em desenvolvimento no ano passado”, explicou Masood Ahmed, presidente do Center for Global Development que serviu de secretariado para o grupo de especialistas. O informe conclui que “o ritmo das reformas do banco de desenvolvimento multilateral permanece inadequado para ter um impacto material sobre o desenvolvimento sustentável”.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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