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Foto: Art DiNo / Flickr

Seguridade Social no Peru: caminhos para garantir a universalidade

Nova lei sobre a seguridade social no Peru não acrescenta nada para resolver a crise dos sistemas previdenciários peruanos e além disso infringe a Constituição.
Jorge Rendón Vásquez
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Tratei do tema da exposição que farei na sequência em meu livro Direito da Seguridade Social” e em minhas aulas do curso “Direito da Seguridade Social”, criado no começo da década de 1970 no Peru.

Além disso, escrevi vários artigos sobre este tema, destinados a criar consciência quanto à necessidade de estender a Seguridade Social e superar suas insuficiências e defeitos na nação peruana. 

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A – Definição de Seguridade Social

A Seguridade Social é um sistema de políticas, normas, técnicas e atos de administração. Sua finalidade é evitar os riscos sociais ou atenuar ou reparar seus efeitos. Cabe aqui dizer que a Seguridade Social e o Direito do Trabalho são as grandes realizações de política social dos séculos 20 e 21, e um efeito do progresso material devido à primeira e à segunda revoluções industriais.

Chaves da evolução do Direito do Trabalho I

A primeira Revolução Industrial, que começou na segunda metade do século 18, se caracteriza pela introdução das máquinas, sobretudo metálicas, para a produção de bens e serviços, e pela utilização do vapor d’água como fonte de energia, criada pelo calor produzido pela madeira dos bosques e depois pelo carvão mineral.

A segunda Revolução Industrial está constituída pela descoberta e aplicação do petróleo e do gás como fonte de energia, o que deu lugar à criação de automóveis que, por sua vez, exigiram ruas e estradas asfaltadas para facilitar a circulação, e estas foram seguidas pela construção massiva de moradias em edifícios que se estenderam e caracterizam a maneira de ser das cidades agora. Estas moradias requereram mobiliário e equipamentos domésticos que impulsionaram a produção de novos bens.

Chaves da evolução do Direito do Trabalho II

A concentração de trabalhadores para ocupar-se da produção, devido a estas duas revoluções industriais, os levou a unirem-se e a criar organizações sindicais e partidos políticos com a finalidade de melhorar sua situação, abolindo ou atenuando a ilimitada exploração a que os submetiam os empresários. Deram-se assim as primeiras leis sociais, e entre estas as de seguros sociais, no fim do século 19. Depois da Segunda Guerra Mundial e como um efeito social desta, se estabeleceram definitivamente o Direito do Trabalho e a Seguridade Social, como reivindicações gerais dos trabalhadores em quase todo o mundo e conformando o aspecto social da economia capitalista. É o que se denomina Estado Social de Direito ou também Estado de Bem-estar.

B – Os riscos sociais 

São fatos danosos para os seres humanos que podem afetar sua saúde ou sua capacidade econômica para atender as necessidades de sua vida e a de suas famílias.

São riscos que afetam a saúde a enfermidade e os acidentes, que podem ser comuns e de trabalho, e a velhice.

Para evitar tais efeitos e restabelecer a saúde, a Seguridade Social organiza um conjunto de medidas que se concentram na assistência médica e de reabilitação, mas antes que isso aconteça, deve dar curso a medidas de prevenção para tratar de impedir os riscos.

A velhice não pode ser evitada, mas é possível impedir que a perda de capacidade de trabalhar prive a pessoa dos recursos que obtinha com seu trabalho. Por isso são pagas pensões de velhice e outorgadas prestações de saúde. 

Sêneca, filósofo romano do primeiro século de nossa era, dizia que a velhice é uma doença incurável.

Embora não seja, a deterioração dos órgãos do ser humano devido à passagem do tempo torna mais frequentes e graves as enfermidades e os acidentes. Na realidade, a maior parte da Seguridade Social está destinada a assistir às pessoas na terceira e na quarta idades: terceira idade, desde os 65 anos até os 85; e quarta idade, dos 85 em diante, quando, em geral, a pessoa requer a assistência de outras pessoas. Segundo as estatísticas, 80% ou mais dos recursos em prestações de saúde destinam-se às pessoas com mais de 65 anos, e os recursos com os quais são pagas as pensões são quase totalmente para estas pessoas.

O desemprego é também um risco social. 

C – O financiamento da Seguridade Social

As prestações de Seguridade Social devem ser financiadas. É um axioma: sem financiamento não pode haver prestações.

O financiamento pode ter três fontes: a pessoa e a família; o aparato produtivo; e o Tesouro Público.

A pessoa e a família: desde muito antes que a Seguridade Social existisse, e ainda agora, uma parte do gasto ou todo o gasto em prestações de saúde de numerosas pessoas alheias ao aparato produtivo, profissionais e outros trabalhadores independentes e pequenos e médios empresários pagam elas mesmas com suas economias pessoais ou se encarrega dele a sua família.

Agora mesmo, diante da insuficiência da capacidade de atender do Seguro Social de Saúde, muitas pessoas têm que pagar seus cuidados de saúde, acudindo à medicina privada ou aos policlínicos das municipalidades confiados a médicos ou a empresas particulares.

Da mesma forma, os anciãos que carecem de pensão são assumidos por suas famílias, em geral suas filhas e filhos.

O aparato produtivo: desde a criação dos seguros sociais, na Alemanha, no fim do século 19, seu financiamento recaiu no aparato produtivo, sob a forma de cotizações pagas pelos trabalhadores e seus empregadores, e uma parte pelo Estado. As cotizações dos trabalhadores e de seus empregadores equivalem a porcentagens determinadas das remunerações e se transferem ao preço dos bens e serviços fornecidos, e, por este procedimento, são, na realidade, pagos pelos consumidores, que, em sua maior parte, são os próprios trabalhadores. Embora este financiamento seja o mais importante, salvo nos países que privilegiam o financiamento pelo Estado, encontra-se limitado pela resistência dos trabalhadores a admitir uma elevação das cotizações que reduziria suas remunerações e pela oposição dos empresários porque aumentaria o preço dos bens e serviços que produzem, o que afetaria sua competitividade.

O Tesouro Público: o Estado vem assumindo, em certos países, uma parte cada vez maior do financiamento das prestações de seguridade social, tanto de saúde como de velhice e inclusive de desemprego. Fez isso, primeiro para atender as pessoas que não intervêm no aparato produtivo; e, depois, para cobrir uma parte do gasto que as cotizações não conseguem financiar, devido sobretudo ao envelhecimento da população.

São os casos dos Estados Unidos, dos 27 países da União Europeia e de outros. Devido a estes egressos e outros, como as burocracias excessivas e os gastos militares, que tendem a crescer, os orçamentos do Estado têm déficits permanentes que são cobertos com empréstimos, isto é, com dinheiro que vem dos empresários e poupadores particulares ou de outros Estados. As dívidas públicas dos Estados Unidos e dos países da União Europeia chegam a muitos trilhões de dólares ou euros, respectivamente, e continuam crescendo; e os juros que geram são outra causa de seus déficits. São dívidas cujo pagamento recairá sobre as gerações futuras ou que não poderão ser pagas.

Na Argentina, quando o crédito público ficou raro porque o Estado deixou de pagar os juros dos bônus representativos dos empréstimos tomados do exterior, recorreu-se à impressão de dinheiro sem respaldo com o que se pagavam os gastos do Estado, os abundantes e generosos subsídios e as prestações de Seguridade Social. A impressão de dinheiro inorgânico terminou com o governo do presidente Javier Milei, desde dezembro de 2023. Este está conseguindo o equilíbrio orçamentário às custas de uma redução do gasto público que afetou os setores da população que se beneficiavam anteriormente com o dinheiro do Estado emitido sem respaldo.

No Peru, é menos provável este problema pelo cadeado constitucional, sob a forma dos artigos da Constituição relativos ao orçamento do Estado, ao Banco Central de Reserva e à proibição ao Congresso da República de criar ou aumentar os gastos públicos.

Há, no entanto, leis que, contrariando a Constituição, autorizam a transferência de recursos do Tesouro Público para a ONP para cobrir uma parte do gasto em pensões, e o pagamento de pensões a pessoas com mais de 65 anos em situação de necessidade e que não cotizaram para a Seguridade Social.

D – A insuficiência dos serviços da Seguridade Social

Nem os serviços de saúde, nem os de pensões de velhice cobrem como deveriam as necessidades das pessoas com direito, filiadas e seus direitos; nem podem ser estendidas, portanto, a outros grupos da população que necessitam de assistência. Não se constroem nem se implementam novos centros de atenção, nem se contrata mais pessoal assistencial; o aparato universitário tampouco pode fornecer os profissionais de ciências médicas com a qualidade e no número necessário; não é possível pagar pensões ajustadas às porcentagens das remunerações pelas quais foram pagas as cotizações, segundo as leis e as necessidades dos beneficiários.

As causas são estruturais e conjunturais.

São causas estruturais

– O envelhecimento da população pela redução da taxa de natalidade e o aumento da esperança de vida, devidas ambas ao modo de vida na civilização contemporânea e ao progresso das ciências médicas e farmacológicas. Isto determina que diminua a força de trabalho em relação às pessoas que saem da vida ativa e que, portanto, se reduza o financiamento pelo aparato produtivo. 

– A resistência do aparato produtivo a elevar as cotizações até equilibrar os gastos em prestações de Seguridade Social por sua natureza competitiva determinada pela economia de mercado.

– A informalidade que chega a absorver mais de 60% da força de trabalho, embora sua contribuição à produção seja inferior a 10% do PIB, e exclui esta massa humana do financiamento. No Peru, sobre uns 20 milhões de trabalhadores, a informalidade abrange cerca de 12 milhões de trabalhadores.

São causas conjunturais

– O desconhecimento quase absoluto da Seguridade Social pelos políticos, seus partidos, seus representantes no Congresso da República e os governos que formam. Em seus programas não figura este tema.

– A insuficiência de trabalhadores especializados: médicos, pessoal auxiliar, administradores qualificados e não burocratas sem noção do serviço público, profissionais da política de Seguridade Social e, especialmente, matemáticos atuariais.

– A indiferença das organizações sindicais. Os dirigentes destas não só ignoram o pertinente aos problemas da saúde e da velhice dos trabalhadores, como não lhes interessam. Isso, porque os trabalhadores em atividade consomem menos de 20% dos recursos do seguro de saúde, e porque os pensionistas não são membros de seus sindicatos que só agrupam os trabalhadores que se filiam. Desde 1973, as centrais sindicais tiveram delegados no Seguro Social, mas nunca saiu deles alguma iniciativa para melhorar seus serviços.

– A passividade geral da população e sua resignação ante a inação do Estado, por seu baixo nível educativo e sua correlata ignorância da natureza dos problemas que a afetam; certa tradição de mansidão herdada da dominação hispânica; sua alienação; sua esperança remota na recepção gratuita de dinheiro e de certos bens do Estado ou de alguma entidade caritativa.

E – O que fazer diante disso?

– Requere-se um conhecimento profundo pelos profissionais que se interessem pela Seguridade Social, o que significa estudar a fundo o que esta é, seus problemas e as necessidades dos trabalhadores e da população; e propor as soluções pertinentes.

– Formar nesse conhecimento novas gerações de estudantes, profissionais e trabalhadores.

Pós scriptum: Quando fiz esta exposição, não se havia publicado ainda a Lei 32123, de 23/9/2024, denominada Modernização do Sistema Previdenciário Peruano. Como disse em meu comentário de 9/9/2024 intitulado Uma perigosa lei para os trabalhadores, futuros pensionistas e aposentados”, analisando brevemente o ainda rascunho desta Lei, ela não aporta nada para resolver a crise dos sistemas previdenciários peruanos e infringe a Constituição ao criar novos gastos públicos e dispor a transferência dos pagamentos pelo Imposto Geral sobre as Vendas já recebidos pelo Estado como contribuições pensionárias. Qual foi então sua motivação? Pelo que parece, permitir que as cotizações ao Sistema Privado de Pensões e as voluntárias que se criam destinem-se a entidades financeiras distintas das AFPs.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jorge Rendón Vásquez Doutor em Direito pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos e Docteur en Droit pela Université de Paris I (Sorbonne). É conhecido como autor de livros sobre Direito do Trabalho e Previdência Social. Desde 2003, retomou a antiga vocação literária, tendo publicado os livros “La calle nueva” (2004, 2007), “El cuello de la serpiente y otros relatos” (2005) e “La celebración y otros relatos” (2006).

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